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Joana dos Santos de Souza

1931 - 2020

Como uma joaninha que traz sorte, Joana emanava coisas boas a todos ao seu redor.

O nome Joana tem origem no latim e significa “agraciada por Deus”. Se existiu uma pessoa com essa graça foi Joana dos Santos de Souza. Não havia nome melhor que pudesse descrever esta mulher. “Era pra ser chamada Luzia, pois nasceu no dia da santa”, conta a filha caçula Karenina. Mas os planos eram outros e não teria como seu nome ser diferente.

Joana criou e cuidou de uma família tão linda quanto o seu tamanho. Seria impossível mencionar tantos nomes sem deixa algum de fora. Teve 17 filhos, mas apenas oito sobreviveram. Eram sete mulheres e Walder, que faleceu ainda jovem. Netos? Joana teve 21. Bisnetos? 38. E por enquanto, são 4 tataranetos para a conta. O amor rodeou sua vida, entrava por onde quer que fosse, sem pedir licença.

Sua família foi o seu maior presente e a maior herança que deixou. Com o passar dos anos, as filhas saíram debaixo de suas asas e foram alçar seus próprios voos, mas não passava um dia sem que a mamãe superprotetora se preocupasse e pensasse no bem-estar de suas meninas. “Se passasse uns dias sem ver as filhas, ela acordava de mau humor, se sentia abandonada.”, relata Karenina.

Se pudesse, Joana teria construído uma casa principal, bem no meio e mais sete no entorno, só para ela não perder a visão de nenhuma das filhas. E é assim que ela sempre quis que sua família estivesse: pertinho um do outro. Seu sonho era ver a família toda unida novamente. Infelizmente não pôde presenciar a realização desse momento ainda neste plano, mas estará com um sorriso de orelha a orelha e com o coração completo quando isso acontecer.

Joana aproveitava os momentos de comemorações para reunir a família e preparar um banquete delicioso. “Ela cozinhava muito bem, fazia bolo fofo, pamonha, canjica, grude, cuscuz com peixe frito. Aos domingos, caprichava mais e fazia frango com macarrão”, comenta sua filha. O dom culinário e os momentos em família foram passados para as filhas, que até hoje reproduzem essas lembranças. “Hoje, a gente faz frango com macarrão por causa do hábito que mamãe criou.”

Mulher com alma de menina, adorava estar entre os jovens. A troca de energia com eles trazia ela de volta à uma vida sem preocupações e problemas. Joana tinha uma luz tão grande em seu âmago, que irradiava e preenchia qualquer ambiente. Participativa, estava sempre no meio dos familiares – qualquer que fosse a atividade que estivessem fazendo – e não arredava o pé por nada. “Às vezes, ela não queria ir dormir, porque achava que as pessoas iam fazer algo que ela ia perder”, relembra sua filha.

Também não gostav de admitir aquele cochilo despretensioso no sofá. “‘Não estou dormindo, estou apenas de olho fechado’, ela falava. Às vezes uma parte do braço estava caindo e ela, mesmo assim, negava que estava dormindo”, mais uma lembrança saudosa contada por Karenina. Jeito simples e contagiante, impossível não se apaixonar por Joana.

“Mamãe gostava de coisas de jovem, pizza, refrigerante, bolo, doce, chocolate. Gostava de ir no shopping, na praia e amava o carnaval. Adorava os grupos de K-pop, gostava de ver as meninas dançarem – por causa das netas. Se divertia com os vídeos dos youtubers Felipe Neto e da dupla Thais e Thalita Matsura.”

Nos últimos anos, Joana adquiriu uma doença que a impossibilitou de andar, mas isso jamais a atrapalhou. Suas pernas tomaram forma nas pernas dos outros e sempre a levaram aonde quer que fosse. Algumas coisas como fazer o seu feijão ou lavar a roupa não eram mais viáveis, mas sua vida era muito maior do que isso. Nada nem ninguém a impediu de viver, dançar, passar seu batom e pó e dar boas risadas como se não houvesse amanhã.

Como uma joaninha que traz sorte ao pousar em você, a nossa Joaninha emanava coisas boas a todos que estavam em sua volta. Sorte foi de quem teve essa Joaninha pousando em sua vida.

Joana nasceu em Assu (RN) e faleceu em Mossoró (RN), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Joana, Karenina dos Santos de Souza. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 25 de dezembro de 2020.