1959 - 2021
Pedalava sua bicicleta indo e vindo da feira várias vezes até completar a lista de compras para as festas de família.
A infância no distrito paraense de Icoaraci, bem pertinho da capital, marcou a vida e os laços afetivos da família de 12 filhos que dona Irene e seu Osmarindo construíram. Ela, lavadeira e o marido, ajudante de serviços gerais num hospital. A prole, contudo, aprendeu a se ajudar entre si conforme o núcleo crescia. Enquanto uns conseguiam se dedicar aos estudos, outros se desdobravam no trabalho para compor o orçamento doméstico. Foi o caso de João Batista, que trabalhou por longos anos num curtume da região. Acabou abdicando da escola para auxiliar no sustento da família, que bem cedo perdeu seu patriarca. Aprendeu a cuidar desde sempre: da mãe, dos irmãos, dos sobrinhos, do filho Márcio André e dos netos que vieram com o tempo, e até dos animais de estimação. “Nossa família é uma comunidade”, define a sobrinha Adriana. João Batista morava com a mãe e fazia tudo acontecer ao redor dela, até o corriqueiro cafezinho da tarde com o pão quentinho garantido por ele. Quando a doença de Alzheimer a debilitou, ele, já aposentado, não mediu esforços para lhe dar os medicamentos, as refeições e os cuidados amorosos de que ela precisava todos os dias.
O nome de santo, no entanto, deu lugar ao apelido que o corpo lhe proveu. Chamavam-no de Gordo e o que hoje seria descrito como bullying virou naturalmente um carinho comum entre os mais íntimos. Era assim que o homem forte e bonachão se acostumou a ser convocado para atender aos pedidos dos parentes, amigos e vizinhos para favores aqui e ali. João Batista era solícito, generoso, dedicado e bondoso. Nas reuniões e festas familiares que a irmandade organizava com frequência, ele se encarregava das compras no mercado e na feira. “Era o tio da feira”, brinca a sobrinha. Sempre de bicicleta, ia e vinha quantas vezes fossem necessárias para dar conta da lista que aumentava conforme os preparativos aconteciam. Segundo ela, qualquer fato novo, por mais banal que parecesse, era motivo para o clã se reunir em volta da mesa, fosse com um mero café com bolo, um almoço ou churrasco dos mais caprichados.
A perda de três filhos de dona Irene em curto espaço de tempo infelizmente quebrou esse encanto. “Esses meus tios eram os pilares, promoviam as reuniões e convidavam todo mundo”, relembra com tristeza Adriana. “Sempre vivemos um segurando na mão do outro.”
A figura de João Batista, contudo, continua a trazer boas recordações às novas gerações. Mesmo quando os recursos financeiros eram mais escassos, ele não deixava passar os aniversários e Natais dos sobrinhos sem algum presente ou guloseima. Com os netos não era diferente e a paixão, maior. Além dos telefonemas diários, fazia coleção de carrinhos para o pequeno Murilo e paparicava Maria Eduarda com outros mimos. “Seus netos vão crescer sabendo o quanto tiveram um homem espetacular como avô”, garante a sobrinha.
João Batista foi, ao longo da vida, a mais pura entrega de amor!
João nasceu em Belém (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de João, Adriana do Socorro Uchoa da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 2 de junho de 2023.