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João Celso Zilio

1956 - 2020

Teve filhos, plantou uma árvore e escreveu o livro na memória de cada um que o conheceu.

Final da tarde, o relógio aponta 17 horas. Cheiro de café recém-passado. Silvia grita: “Tá pronto”. Celso surge, senta na sala ao lado da esposa e assiste ao mesmo programa da tarde de sempre.

A rotina diária foi a última lembrança de Celso ao conversar com a esposa antes de ser intubado por conta da dificuldade respiratória: “Tá na hora do nosso café e do teu programa”.

O técnico agrícola e técnico em segurança do trabalho era um apaixonado pela natureza. Viajou de Butiá para Guaíba para trabalhar na empresa CMPC, quando ainda era Riocell. Ao começar a construir sua vida, na pequena cidade da região metropolitana de Porto Alegre, Celso plantou um pé de jabuticaba, na frente da casa em que moraria com a esposa pelo resto de sua vida.

“Ele era muito amoroso. Sempre dava ‘Bom dia, coração’. Todos os dias, dos últimos 10 anos, ele me levava café na cama (...) Era meu companheiro”, conta Silvia, que aos 63, relembra os 40 anos de casamento.

As histórias contadas mostram Celso como um homem sensível, que se dedicava a estar próximo em todas as oportunidades possíveis.

Quando Marina morava com os pais, tinha o costume de deixar bilhetes espalhados pela casa, pedindo para que a acordassem em algum horário ou que emprestassem dinheiro. Ao organizar o que era dele, após o fatídico acontecimento, a filha mais nova do casal encontrou uma pasta com todos esses bilhetes do dia a dia. “Eu não sabia que ele guardava, isso reforçou ainda mais o nosso laço. É como se fosse uma mensagem dele.”

Natural de Lagoa Vermelha, município localizado na região nordeste do Rio Grande do Sul, Celso sempre esteve conectado com as suas raízes. Um mês antes de falecer, visitou os irmãos na cidade natal. As festas e jantares eram comuns, inclusive o aniversário da esposa, que havia sido comemorado pouco antes de sua partida. “Ele estava muito feliz, tirou foto com os netos, comigo, com todo mundo.” Maurício, o filho mais velho, conta ainda que o pai era apaixonado pelos netos, pedindo foto todos os dias. “Eu descobri que ele mandava para todo mundo, todos os amigos dele.” Antes do isolamento, os netos dormiam um dia da semana com os avós. O apego e o amor eram o que mais marcava essa relação.

No dia seguinte à morte de Celso, um registro fotográfico foi feito pela nora Crislaine Jacobsen Corrêa, esposa de Maurício, mostrando o pé de jabuticaba. Na foto, um raio de luz transpassa as folhas da árvore e ilumina as raízes plantadas por Celso em Guaíba. A vida dele sempre estará gravada na terra, fixando as lembranças construídas na sua trajetória. Plantou uma árvore, teve filhos... E o livro, escreveu nas memórias de quem o amou.

João nasceu em Lagoa Vermelha (RS) e faleceu em Porto Alegre (RS), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela viúva e filhos de João, Silvia Lúcia Notorio Zilio, Marina Notorio Zilio e Maurício Notorio Zilio. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Juliana Coin, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 25 de junho de 2020.