1991 - 2021
Costumava parar, cumprimentar as pessoas sem pressa e dar carona aos amigos; valorizava o momento e não as coisas.
Atenção, cuidado, alegria, persistência, perfeccionismo e tantos outros adjetivos definem João Pereira da Silva Neto, chamado de Joãozinho desde quando estava no ventre de dona Renilda. Quando Deus desenha o ser humano para ser enviado a uma família, Ele dá, entre todas as tarefas a serem cumpridas, um propósito maior para cada um. Com Joãozinho não foi diferente; ele veio para espalhar o amor! Rastros e rastros de amor por onde passou e mesmo hoje, depois de sua partida, persevera o amor que ele plantou.
Junto com o propósito do amor, veio o dom da música; como dizia Santo Agostinho: “quem canta reza duas vezes”. Joãozinho pegou o dom que recebeu e não guardou para si. Buscou aprender com os mestres. Ele sabia que Deus agia fortemente em sua vida, porque se tinha uma missão, ela precisava ser executada com maestria, por isso Deus “capacita os humildes de coração".
Se você conhecesse Joãozinho, saberia do que estamos falando. Ele foi um ser humano incrível, que jamais ficou sem ser notado por onde quer que passasse. “Bom dia, boa tarde e como vai?” sempre foram palavras simples, mas partindo dele, eram carregadas de carinho, respeito e atenção dispensados a qualquer pessoa, da mais íntima ao ilustre desconhecido. Se avistasse um conhecido na rua, colocava no Fiat Stilo - a grande paixão da vida dele -, e dava carona. "Vamos, que eu te levo", mesmo que o destino fosse fora do caminho. Joãozinho transformou vidas por onde passou, a começar pela dos pais. E olha, é uma história linda!
Renilda Apolonia da Silva e João Roberto da Silva conheceram-se, apaixonaram-se e foram morar juntos nos fundos da casa do pai de João. Só um minuto! Você sabe o que significa João? “Filho amado”, “agraciado por Deus”, “graça e misericórdia de Deus”, entendeu? Só para ter uma ideia de como era essa casa. O pai de João Roberto era João e o neto também. Dose tripla de amor. Renilda era dona de casa e o esposo estava desempregado. Quando ela ficou grávida, a primeira pessoa que soube foi o Seu João, a quem tinha um carinho especial. O sogro estava com câncer no esôfago. Renilda lembra-se bem daquele dia e das lágrimas escorrendo no rosto do futuro avô, quando disse “estou grávida e se for menino vai chamar-se João Pereira Neto”. Assim que soube da notícia, no mesmo mês, março de 1991, Seu João faleceu, mas sabendo que o jardim do amor continuaria sendo cultivado. João Roberto, que já estava estudando, passou no concurso público e foi trabalhar em uma autarquia do município de Diadema; a mãe passou no concurso da secretaria estadual de educação.
A criança amada cresceu em graça e sabedoria. Filho único, Joãozinho era independente. Aos sete anos decidiu que iria estudar música e aos 12 anos passou em 12º lugar, entre centenas de concorrentes, no concurso de seleção da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, em São Paulo. Estudava no período da manhã no ensino regular e no fim da tarde pegava o ônibus sozinho rumo à Fundação das Artes, um trajeto de cerca de 18 km de transporte público. Ele levava a sério tudo o que se propunha a fazer.
Mesmo com pouca idade, Joãozinho destacava-se pela determinação e organização. Aos 14 anos, foi trabalhar como menor aprendiz e o primeiro salário ofertou integralmente para ajudar na construção da laje da Igreja Pentecostal da Bíblia-Eldorado (ICPB), em Diadema. A música sempre esteve presente no dia a dia de Joãozinho. Trabalhava na igreja, no Ministério de Música, e decidiu que iria continuar estudando. Foi para Minas Gerais, para o Centro de Treinamento Ministerial Diante do Trono, da Igreja Batista de Lagoinha, e foi com a música e com a igreja que Joãozinho deu voos mais altos. Foi para Curitiba, visitou a Alemanha, Inglaterra e muitos lugares no Brasil. Nada era impossível para ele... "Joãozinho, e tu falas alemão?" "Não, mas vou aprender antes de viajar. É difícil, mas não impossível" - era a resposta cheia de otimismo que ele sempre tinha.
No Centro Ministerial, Joãozinho cultivou amizades verdadeiras. Mesmo depois de 10 anos, eles mantinham contato. Os vínculos criados foram tão fortes e duradouros que, mesmo os amigos que moram em outros Estados e até fora do Brasil, acolheram no coração dona Renilda como mãe, e os “filhos” que ganhou procuram retribuir o amor e carinho. Renilda perdeu as contas de quantas vezes foi surpreendida com ligações, cartas e até cesta de café da manhã, cuidados verdadeiros que confortam o coração. “É emocionante receber tanto carinho, todos preocupados, sempre com a pergunta: “Tia, está tudo bem?”
Em novembro, mês de aniversário de nascimento do Joãozinho, Renilda e João Roberto decidiram tirar férias e foram conhecer Gramado, no Rio Grande do Sul. Joãozinho costumava dizer: “mãe, você precisa conhecer Gramado. É uma cidade linda e encantadora”, e é de fato apaixonante! Depois de Gramado, Renilda e João Roberto foram passar alguns dias no Rio de Janeiro, última viagem que fizeram em família.
Joãozinho era analista de sistemas. Aos 22 anos, formou-se em Teologia. Quando perguntavam por que tinha feito Teologia, costumava dizer que, “Conhecendo quem me criou, compreendo a mim e às outras pessoas”.
Não quis casar-se e não teve filhos, preferiu viver intensamente, da sua forma, cada um dos dias de seus 29 anos. Um passarinho que voou, que descobriu lugares, que conheceu pessoas e que transformou vidas por onde passou. Na despedida, familiares e amigos louvaram e buscaram forças na canção “Tudo posso Naquele que me Fortalece”, baseada no livro de Filipenses 4,13.
Naquele dia, João Roberto, pai, agradeceu os 29 anos em companhia do filho. “Quando Renilda ficou grávida, os médicos disseram que no parto eu teria de escolher entre salvar a esposa ou o filho, porque a gravidez era de risco”. João Roberto entregou na mão do Pai, dizendo também "que se cumpra a Sua vontade! Joãozinho viveu 29 anos servindo a Deus com sua música e ao próximo com o seu amor.
Como eu sei tudo isso? Ainda vejo o rastro de amor, sinto o perfume das rosas e a luz que não se apaga. Hoje amigos e familiares sentem a falta física, mas na certeza de que ele está junto ao Pai. Ah! A primeira e única guitarra, chamada carinhosamente de “minha Guita”, foi comprada quando Joãozinho tinha 12 anos. Na época, custou o valor de um carro popular, foi dividida em 12 parcelas. Agora já tem endereço certo: a Inglaterra. E quem vai herdar? Beatriz Oshea, amiga desde os sete anos de idade, que vai guardar para quando o filho nascer.
Joãozinho faleceu à 1h30 da madrugada, mesmo horário em que costumava sair do trabalho, dizendo: “fechei a carvoaria”.
João nasceu em São Paulo ( SP) e faleceu em São Bernardo do Campo (SP), aos 29 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelos pais de João, Renilda Apolonia da Silva e João Roberto da Silva . Este tributo foi apurado por Débora Alves Cabrita, editado por -, revisado por Claiane Lamperth e Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 16 de fevereiro de 2022.