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João Pogianeli Falco

1962 - 2021

A primeira cuia do chimarrão, amarga e gelada, ele sempre oferecia à filha pois sabia que era assim que ela gostava.

Ele era pai de Lyndsen, marido de Sorlinda e um trabalhador incansável. Com apenas 13 anos, teve o primeiro registro na carteira de trabalho e começou a ganhar a vida como servente de pedreiro, recebendo dois reais e quarenta centavos por hora. João nunca parou. Ainda criança, saiu de Minas Gerais para o Paraná com a família e construiu sua vida em Curitiba. Formou-se mecânico industrial, soldador e sabia fazer de tudo, especialmente ajudar os outros.

Era mecânico quando precisavam de um mecânico, era pedreiro quando precisavam de um pedreiro. “Todo mundo que precisava de ajuda, nossos familiares, por exemplo, ele ajudava (...) tirava dele para suprir os outros”, conta Lyndsen, sua única filha, que nasceu quando João estava se aposentando.

A aposentadoria não foi interpretada pelo João como desculpa para ficar inativo; era um homem cheio de energia. Ele cuidava da horta, um sonho realizado com a esposa quando se mudaram para a casa própria; criava a filha, ajudando-a quando criança com os deveres de Matemática e, mais velha, com os cálculos do holerite do trabalho. “Lembro que eu decorava a tabuada e quando ele chegava do serviço a gente estudava junto, e jogávamos dama”, diz a filha.

João era o retrato do pai protetor; daqueles para quem se corre quando chega uma chuva forte e cai o temporal, literalmente. Ele construiu uma relação de amizade, confiança e admiração tão forte com a menina que, mesmo depois de crescida, ele seguiu sendo um pai presente e participativo. Foi ele quem esteve ao lado de Lyndsen quando a moça começou as aulas de direção. Uma vez, quando a jovem bateu o carro de leve, certificou-se de que estava tudo bem e depois a reação foi só uma: cair na risada! Afinal, para ele, isso acontecia, isso não era coisa para se preocupar.

Já as mulheres da casa, ficavam bem preocupadas quando João entrava na cozinha, principalmente se fosse para preparar arroz. É que ele colocava tanto óleo, que Arroz Brilhante foi o nome dado por elas para a "iguaria" do João. Lyndsen lembra: “Toda vez que eu estava com fome, ele falava que ia fazer esse arroz, mas eu e minha mãe não deixávamos e ele ficava rindo".

Caseiro e com seus próprios rituais, João chegava do trabalho e ia tomar seu chimarrão. Às vezes misturado com camomila, outras com erva-doce. Podia ser preparado por ele mesmo ou ter um toque especial quando era servido pela esposa. E todo mundo da casa tomava junto, era o que faziam em família. A primeira cuia do chimarrão, amarga e gelada, ele sempre oferecia à filha, porque era assim que ela gostava.

João nasceu em Muriaé (MG) e faleceu em Curitiba (PR), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de João, Lyndsen Maite Rezende Falco. Este tributo foi apurado por Juliana Padilha Jota Azevedo, editado por Juliana Padilha Jota Azevedo, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 16 de outubro de 2021.