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Jonas Ferreira Palhares

1988 - 2021

Admirável em graça e beleza exterior, e ainda mais admirável por sua radiante beleza interior. Inesquecível!

Homenagem escrita pela mãe de Jonas, Zair Palhares:

Jonas nasceu no dia 25 de fevereiro de 1988, às 10 horas e 20 minutos de uma quinta-feira.

A gravidez foi tranquila e feliz. Quando ele nasceu, foi uma surpresa com muita alegria, porque eu e o pai dele não quisemos que informassem o sexo do bebê antes do nascimento. Ele já tinha uma irmã, a Laura, e a chegada de um menino foi encantadora. Ele foi o primeiro neto da minha mãe, depois de cinco netas!

Além da alegria e vivacidade, ele sempre foi uma criança amorosa, com a irmã e as primas, com toda a família, fazia amizades com muita facilidade. Na escola sua maneira de ser e conviver não foi diferente. Era alegre e se relacionava bem com todos. Tinha muita energia, imaginação e criatividade.

Gostava de desenhar e desenhava muito bem, um dom que provavelmente herdou do pai, apesar de ter convivido pouco com ele, devido a nossa separação. Na pré-adolescência, iniciei um relacionamento e o Jonas foi extremamente receptivo e amoroso com o Alcir e seus dois filhos, o Daniel e a Ana Carolina. Posso dizer que ser receptivo e acolhedor com as pessoas, sempre foi uma qualidade marcante e admirável de seu caráter.

Na adolescência, pertenceu a um grupo de amigos, a maioria vizinhos do prédio em que morávamos, seguindo o mesmo caminho, sendo um bom e leal amigo. Foi também um período em que ele viveu desafios nas relações com os adultos nesse mesmo prédio e, à medida em que crescia, esses desafios relacionais naquele ambiente e os conflitos próprios da adolescência tornaram seu comportamento mais fechado e arredio com os adultos.

Sempre honesto consigo e com as pessoas, era o mesmo em família, na escola e com os amigos, apesar da crescente crise existencial que se anunciava.

Aos 16 anos começou a trabalhar e nesse novo ambiente era visível seu esforço para desempenhar bem suas funções. Sempre foi vaidoso e tinha um gosto especial por se vestir bem. Gostava de perfumes, relógios, pulseiras e correntes.

Uma criança linda que se tornou um rapaz mais lindo ainda, com um sorriso encantador, daí decorrendo o início de relacionamentos afetivos e namoros, sempre permeados pelas qualidades de seu bom caráter.

Começou o curso superior de Educação Física mas, depois que começou a trabalhar num banco, resolveu cursar Administração, que também não concluiu. Nessa época, perto dos 20 anos, foi se intensificando a crise existencial e ele viveu momentos muito difíceis. Foi quando começou um percurso de busca de sentido e de conhecimentos.

A um determinado ponto, decidiu que deixaria o mundo do trabalho formal e este foi mais um momento onde ele provou seu valor, quando, no banco, diante do pedido de demissão feito por ele, lhe ofereceram um cargo num trabalho menos estressante. Ele declinou, dizendo que aquela oportunidade que estava sendo oferecida a ele, era desejada e merecida por outros colegas, com família e responsabilidades maiores do que a dele.

Nesse percurso de busca, fez contato e vivências com diversas linhas de práticas filosóficas como o budismo e o xamanismo. Foi nesse movimento que conheceu a Mariana, a Mari, aquela que se tornaria sua esposa e companheira de percurso e busca e com quem constituiria família.

Com 22 anos ele decidiu acompanhá-la na mudança para o Rio de Janeiro, onde ela conseguira uma oportunidade de trabalho. Era muito bonito ver o entusiasmo e o encantamento que eles sentiram nessa nova fase, cheia de desafios e aprendizados!

Ele viveu intensamente esses anos, buscando encontrar seu lugar no mundo, um lugar de vida e responsabilidade consigo e com aqueles com quem convivia. Assim como na infância e adolescência, seu modo de ser sempre causou admiração e ele fez boas e sólidas amizades.

Nesse período, cursou e concluiu a formação em Acupuntura, juntamente com a Mari, e suas qualidades de responsabilidade, compromisso e dedicação permitiram que ele se firmasse nesse trabalho, podendo, gradualmente, deixar o emprego formal que mantinha para seu sustento e que permitiu a eles financiar a compra de um pequeno apartamento, em Santa Tereza.

Em 2013 eles oficializaram sua união civil e em 2014 a Helena nasceu. Uma menina linda e cheia de vida, que inspirou novas perspectivas e tomadas de decisões. Nesse novo contexto, seguindo no espírito da busca existencial que o impulsionava, decidiram deixar o Rio de Janeiro e escolheram Saquarema para morada.

Em 2015 concretizaram essa mudança e prosseguiram no caminho de consolidar a formação de laços de amizade e busca espiritual que haviam encontrado no Santo Daime. Ao mesmo tempo, ele foi em busca de formação, práticas e vivências no campo da permacultura e bioconstrução, revelando e transmitindo grandeza e beleza nas relações que estabelecia.

Em 2018, já sentindo que as escolhas feitas se mostravam como definitivas do caminho a seguir, decidiram pela venda do apartamento no Rio de Janeiro, para compor a compra coletiva de um terreno em Saquarema, com outros companheiros de jornada.

Tendo estabelecido laços de amizade profissionais e espirituais muito importantes, mesmo assim não eram poucos os desafios da paternidade e da maternidade, e sua conciliação com a carreira, sem uma rede de apoio familiar, considerando a distância entre Saquarema e São Paulo, onde estavam suas famílias de origem.

Eles encararam de maneira muito bonita esses desafios, se engajando em um projeto de escola compartilhada com um grupo de pais-amigos, com co-responsabilização na pesquisa e estudo das melhores práticas pedagógicas, de inspiração montessoriana e antroposófica, escolhendo e alugando um espaço físico agradável e acolhedor para as crianças. Em todos esses projetos, tanto da escola como do Santo Daime, o Jonas era uma inspiração e uma força viva, no planejamento, na administração de recursos e na realização das atividades.

Não obstante, ele vivia seus desafios interiores, enfrentando suas crises existenciais e buscando compreender quais ações eram necessárias para superar traumas, mágoas e condicionamentos sociais prejudiciais ao seu pleno desenvolvimento humano e espiritual.

Nesse contexto, conseguiu permitir-se buscar uma reaproximação com o pai, em uma importante viagem feita junto com sua irmã, para que ambos pudessem compartilhar essa experiência com ele, ainda em 2018.

O ano de 2019 foi todo percorrido na consolidação desses processos de crescimento e amadurecimento, intenso, e com seus naturais desgastes.

Em junho de 2020, eu e meu marido, que estávamos aposentados e desde então cuidávamos de nossas respectivas mães, decidimos por nos mudar para Saquarema, levando-as conosco, para estar mais perto do Jonas e da Mari e contribuir no cuidado com a pequena Helena. Como nossas mães eram idosas, na casa dos 90 anos, planejamos a realização da mudança para o ano de 2021.

Era um tempo em que o Jonas, com suas habilidades e talento de desenhista, havia feito uma linda planta da casa que iriam construir no terreno adquirido, tudo planejado juntamente com a Mari e a Helena.

Tempo em que ele descobriu que suas qualidades como responsabilidade, honrar compromissos, organização, dedicação, senso estético e capricho em tudo o que realizava, aliadas aos conhecimentos adquiridos em permacultura e bioconstrução, seriam muito bem aproveitadas, trabalhando como empreiteiro, associando-se ao amigo Domingos, empreiteiro e mestre de obras, na construção de casas na região dos Lagos, sendo que essa seria a principal fonte de recursos financeiros para a construção de sua própria casa.

Em face dessa nova realidade, do ritmo intenso de trabalho e das atividades de administração da escola, o trabalho com Acupuntura que ele realizava no espaço terapêutico que ele e a Mari mantinham, vinha sendo gradualmente suspenso.

O Jonas, a Mari e a Helena receberam com alegria a notícia de nossa mudança para Saquarema e as expectativas eram de um tempo de muitas realizações importantes, pois ele já iniciara a construção de sua casa, trabalhando como um peão de obra, sob a orientação do amigo Domingos, e caminhavam para concluir aquela que seria a moradia inicial, até a conclusão da casa principal.

Estávamos todos entusiasmados e radiantes com a perspectiva dessa nova experiência compartilhada. No mês de agosto de 2020 ele teve alguns episódios de indisposições e no retorno de uma viagem feita no início de setembro, ele apresentou um quadro grave no aparelho digestivo.

Ele foi diagnosticado com um tumor no pâncreas, com metástase para o fígado. Durante o tratamento ele e Mari passaram a morar em minha casa, pois era preciso que nos dedicássemos à saúde dele em tempo integral. Nesse período ele iniciou um processo de revisão de seu ritmo de vida, que vinha intenso em todos os âmbitos, começando por suspender sua participação, mesmo online, nas atividades da igreja do Santo Daime e procurando ocupar-se de coisas às quais ele não vinha conseguindo se dedicar, e que ele entendeu importantes para seu bem estar, como as aulas de violão, de desenho e de conhecimentos de permacultura.

Ele queria a cura, queria a vida, queria ver sua filha crescer e ver os frutos de seu trabalho no mundo. Em fevereiro, no dia 25, ele completou 33 anos e conseguimos comemorar em uma celebração bem restrita, considerando que ele estava um tanto debilitado pelo tratamento com a quimioterapia.

A vacina não chegou a tempo e Jonas contraiu a covid-19. Eu tento reconhecer e acolher a tristeza e a dor e, ao mesmo tempo, me lembrar de celebrar sua vida, tão significativa. Honrar sua passagem por este mundo e seu percurso admirável.

Procuro me lembrar com gratidão pela preciosa oportunidade de ter convivido com ele todos os meses que antecederam sua partida. Gratidão por estarmos juntos e podermos observar sua admirável coragem diante de um drama que, apesar de nossa companhia, presença e apoio, foi um processo solitário. Nenhum de nós sabia o que era estar no lugar dele e ele foi muito forte em face de todo sofrimento que enfrentou.

Sinto uma grande admiração por meu filho. Ele está vivo em mim, na minha memória, no meu coração, mas é inevitável sentir tristeza ao me dar conta de que tudo que vivo desde sua partida, cada momento em que penso em algo que seria tão bom compartilhar com ele, não é possível, pois ele não está mais aqui. Não nessa forma que conhecemos e que, ainda que não plenamente, vivemos nossa experiência humana.

Esta é parte da história do Jonas, meu filho amado. Parece longa mas, ao mesmo tempo, é um pequeno resumo de uma vida tão significativa.

Posso dizer que o Jonas, em seu percurso de vida, foi filho, irmão, neto, primo, sobrinho, amigo, esposo e pai, amado e admirado. Um ser humano amoroso e verdadeiro.

Tudo que eu disse sobre ele é dito de diferentes formas nos depoimentos e mensagens de familiares e amigos e de tantas pessoas que o conheceram.

Admirável por seu porte físico elegante, por sua graça e beleza exterior, e ainda mais admirável por sua radiante beleza interior, que emanava inteligência, talento, sensibilidade e compaixão.

Tudo o que fazia era pleno de suas melhores qualidades: atento, respeitoso, responsável, caprichoso, cuidadoso, dedicado e leal. Era assim que se relacionava com a família, com os amigos e as amigas, com os pacientes, com todas as pessoas nos ambientes que frequentava, fossem cotidianos ou eventuais.

Até o que se poderia chamar de seus defeitos, como o perfeccionismo, por exemplo, eram questões a que ele estava atento e faziam parte de sua busca permanente de equilíbrio.

Tudo o que fez, fez bem feito, com amor e, assim, fez diferença e marcou presença, discretamente, profundamente, sem arrogância. Assim também foi que tocou a tudo e a todos que cruzaram seu caminho.

Enfim, um grande homem, um ser humano admirável, inesquecível.

Jonas nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 33 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela mãe de Jonas, Zair Palhares. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Zair Palhares, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 3 de maio de 2022.