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José Alves Torres

1941 - 2020

Sempre bem-arrumado e perfumado, esse santista expressava sua alegria com samba.

Dizem que perfeição não existe, mas ser pai foi o que José fez com toda perfeição nessa Terra, a ponto de ser "tudo" para a filha Claudia, tão importante quanto o ar que se respira para viver.

Casado com Geni por quarenta e cinco anos, José era o responsável por cuidar de sua única filha, porque a esposa, que já era mãe desde antes dessa união, precisava dedicar boa parte de sua atenção aos seus meninos que necessitavam de cuidados especiais.

Com isso, a ligação entre pai e filha ganhou força e adquiriu beleza difícil de se traduzir em palavras. José ensinou sua menina a pegar ônibus, a andar de bicicleta e a "protegeu de todas as formas possíveis e imagináveis".

José era presença. Tanto que Claudia não consegue se lembrar de um momento sequer de sua vida que seu pai não tenha participado, traduzindo seu amor a cada gesto, a cada palavra, chegando até a surpreender a própria filha com seu jeito de ser.

Quando tinha apenas 19 anos, Claudia engravidou de seu primeiro filho, Luiz Cláudio. Temeu que José fosse ficar bravo, mas encontrou no pai um "parceirão" que se entregou de corpo e alma para ajudá-la com o primeiro neto e com os que vieram depois: Leonardo, Thiago e Maria Clara.

Com os meninos, o avô pôde ser mais presente, porque sua saúde assim o permitia, buscava os netos na escola e, sempre que preciso, ficava com eles. Clarinha conheceu José já um pouco menos ativo, mas ainda bastante alegre, brincalhão e amoroso.

O alto-astral que José mantinha o levou a criar um estilão todo seu. Estava sempre bem-arrumado e perfumado, fazia a barba duas vezes por semana e adorava usar correntes e pulseiras. Nos últimos tempos, José andava muito cantor. Apaixonado por samba, expressava sua alegria com músicas de Zeca Pagodinho e Seu Jorge.

Santista roxo, ganhou uma festa de aniversário surpresa, com direito a decoração temática, um dia memorável para um homem que ficava feliz só de ver os seus felizes! A sobrinha Tânia conta que "a herança mais linda que ele deixou" foi o amor que nutria por sua família.

Ela própria também pôde viver esse amor. Já no hospital, quando Tânia chegou para acompanhá-lo, José que, há tempos havia perdido a visão, reconheceu a sobrinha pela voz e lhe fez um carinho no rosto, que será sempre lembrado como um sinal de afeto por essa que, suspeita-se, foi sua sobrinha favorita.

José foi luz e viveu, incondicionalmente, pelos seus. Mesmo depois que a filha tornou-se "adulta feita", ele telefonava todos os dias como sinal de preocupação paternal e da saudade da convivência diária.

Sua presença agora existe em forma de homenagem. José Henrique é o bisneto que José não conheceu, mas cujo nome não foi escolhido por acaso; um gesto que faz jus à memória de um homem que transformou seu amor em legado.

José nasceu em Mundo Novo (BA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pela sobrinha de José. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Claudia de Oliveira Torres e Tânia Torres, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 18 de agosto de 2020.