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José Ângelo Arioza

1954 - 2021

A fala alta e espalhafatosa chamava a atenção, e a sua alegria conquistava de vez a pessoas.

De hábitos simples e caseiros, José gostava de preparar com esmero a pizza e as massas frescas que aprendera com a mãe, para os churrascos de fim de semana que reuniam quem chegasse à sua casa.

Filho de agricultores italianos que se fixaram no interior de São Paulo, cresceu em meio aos cinco irmãos, nascidos dos dois matrimônios do pai. “Teve uma infância boa”, rememora Carolina, sua primogênita. “Ele contava muitas histórias de criança, das brincadeiras com bolinhas de gude e carrinho de rolimã, da pescaria com o pai, tanto que seus brinquedos ficaram guardados na casa dos meus avós enquanto eles eram vivos.”

Já sua adolescência ganhou o ritmo da bossa nova e da música popular brasileira, com canções que saíam do seu violão especialmente em serenatas para as moças da cidade, hábito que, quando adulto, voltou a nutrir ao lado dos filhos e netos. O instrumento também era seu companheiro nos grupos musicais das missas, que frequentava por devoção. Copiava as partituras a mão e as mantinha organizadas em uma pasta, ainda no meio dos seus guardados.

Conquistou o diploma universitário em Odontologia e orgulhou os pais, que sempre insistiram na importância do curso superior. A faculdade também lhe presenteou com a primeira esposa, Marise, a quem conheceu por acaso na festa de formatura e por quem se apaixonou à primeira vista. O encontro rendeu uma união de quinze anos e o nascimento de Carolina e Adriana.

O primeiro emprego veio com a aprovação em um concurso no Sesi em Brasília (DF), para onde se mudou e construiu a vida profissional. Os muitos anos de consultório nas várias cidades onde se estabeleceu ao longo do tempo trouxeram realização pessoal. Em alguns momentos da carreira o equilíbrio financeiro foi maior, noutros menos. José apegava-se à simplicidade. “Era desprendido dos bens materiais”, confirma Carolina. Seus prazeres genuínos eram mesmo a pescaria no fim de semana e o churrasco com cerveja junto da família, dos amigos e até dos padres da igreja, cativados pela fala alta e espalhafatosa e o seu jeito alegre, expansivo e brincalhão.

“Desde muito pequena, lembro das pessoas dizendo ‘manda um abraço pro Cebola, a alegria em pessoa!’, salienta Carolina. O apelido do pai vinha da infância, por conta da pele alva e da falta de cabelos. Apenas a morte dos pais de José e o divórcio tiraram o seu sorriso frequente. Algum tempo depois, o novo encontro com Maysa, a secretária que virou amiga e que se tornou sua eterna companheira, trouxe ternura, cumplicidade e motivação. Juntos conviveram por vinte e sete anos e tiveram o filho Alberto, realizando o sonho de José, de ter um menino na prole. Júlia, Luísa e Joaquim completaram os amores familiares, desta vez como avô.

Aposentou-se depois de um acidente automobilístico que afetou sua coordenação motora. “Sentia falta do consultório, no domingo à noite sempre lembrava do trabalho.”

Carolina guarda memórias intensas: "um pai amigo, companheiro de vida, confidente, sangue italiano forte que nos impulsionava pra cima em qualquer circunstância. Na minha gravidez precoce, ele me acolheu no colo. ‘Nada de tristeza. Doença? Vamos dar um jeito. Falta de dinheiro? Vai passar. Morte? Vamos chorar sim, mas vamos comemorar a vida dessa pessoa. Trabalho? O sentido da vida’, ele falava”.

Como dizia um sobrinho, José simplesmente não só viveu, mas escolheu celebrar a vida.

José nasceu em Potirendaba (SP) e faleceu em Catalão (GO), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de José, Carolina dos Santos Arioza. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 11 de março de 2022.