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José Bugalho Rodrigues

1941 - 2020

Recordava sua terra nos banhos gelados que tomava, recitando os nomes de todos afluentes do Rio Amazonas.

José, ou Bugalho como era chamado, nasceu na capital amazonense e fazia parte de uma família que enfrentou muitas dificuldades financeiras. Esse contexto o levou a mudar de cidade sozinho, ainda jovem, em busca de uma vida com melhores oportunidade. Conheceu, namorou e casou-se com Maria Inês, uma mineira que estava por acaso com uma irmã no Rio de Janeiro; e com ela constituiu uma família numerosa composta de cinco filhos: Claudia, Alexandre, Flávia, Rogério e Renata. A vida toda ele lutou para conseguir formar os rapazes e moças, dando-lhes o que podia e o que não podia.

A relação com a família era a de um avô, pai e marido sempre presente. Quando estavam todos juntos gostava de registrar o momento pedindo fotos com os filhos e os netos e, muito carinhoso, abraçava, beijava e contava histórias da sua infância e juventude com grande lucidez. Ao todo, teve doze netos: Alexandre, Ana Gabriela, Thereza, Gustavo, Vinícius, Leandra, Beatriz, Bernardo, Lorenzo, Lucas, Miguel e Maju, seus motivos de maior orgulho.

Reunido com família, ria de suas próprias histórias quando eram recontadas e nada o deixava triste - nem mesmo quando o Vasco, seu time preferido, perdia uma partida. Ele tinha a mania de brincar assustando as crianças, falava que o Bicho Papão e o Sapo Cururu Teitei iriam pegá-las; a meninada saía correndo! Também gostava de anunciar sua chegada ao som de uma buzinada especial fazendo "Pam, Parampam, Pam Pam!". Adorava dizer, gesticulando, de um jeito muito engraçado: "Deixa comigo, areia, cascalho e ferro velho!".

Bugalho dizia sempre: “Vim nesse mundo pra ajudar, e faço com prazer!”. Em família, ele mimava a todos, fazia o possível e o impossível. Era de resolver qualquer enrosco, e a qualquer hora que alguém chegasse lhe pedindo um favor, atendia todos com um sorriso no rosto, emoldurado pelos seus lindos olhos verdes que demonstravam toda sua pureza e sua luz; vaidoso ao extremo, procurava usar sempre camisas verdes ou azuis dizendo que era para realçá-los.

Dono de um coração maravilhoso, de uma alegria indescritível e de uma risada muito gostosa, ele era a paz em pessoa. Sua presença tornava tudo melhor e iluminado. Perto de José, tudo fazia sentido e isso fazia com que não houvesse quem não gostasse dele. Levava amor e carinho por onde passava e era daqueles que não sabia apenas dar uma mãozinha, porque também sabia dar colo - aliás, o melhor colo do mundo.

Humilde, simpático e brincalhão, quando serviu o Exército foi paraquedista e, como bom patriota, tinha muito orgulho do nosso país. Muito esforçado, conseguiu fazer o curso de Direito e era um excelente advogado, amante de sua profissão. Às vezes, cobrava quase nada de alguns clientes por ter pena deles e, depois, chegavam até a se tornar amigos.

Eram muitos os seus hábitos e manias: Adorava ouvir 'Ave Maria' às 18 horas, todo dia se emocionando com a mesma intensidade. Trazia a barba impecavelmente feita, usava perfumes e estava sempre bem arrumado. Fazia questão da casa sempre limpa. Amava ler jornal, cochilar na rede e dormir com barulho da chuva caindo como a lhe oferecer um pacote completo de prazer. Em seu tempo livre nos finais de semana não dispensava uma cervejinha e uma caipirinha com petiscos, e o pão de queijo, que não podia faltar.

Conta a filha Renata, rememorando: "Ele adorava ver todos na casa, na piscina, e tomando banho de chuveirão - que era um cano que ele colocou na beira da piscina; a água saía forte e gelada e ele só tomava banho ali, no frio ou no calor, nunca tomou banho quente". Proveniente da Região Norte do Brasil, o banho para ele era somente gelado.

A filha complementa com suas recordações: "No final do domingo, quando tinha churrasco, ao ver que minha mãe estava cansada, ele arrumava a cozinha toda. Sempre muita louça, arrumava sem reclamar. Com dotes culinários, fazia o melhor pão de queijo de Volta Redonda; depois de assados, separava em potes e distribuía na casa dos filhos". O mesmo ele fazia com torradinha, suco de laranja e uma famosa salada de frutas; gastava umas três horas fazendo porque gostava de picar tudo bem pequeninho; os netos amavam!

José nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Volta Redonda (RJ), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de José, Renata Christina da Costa Rodrigues. Este tributo foi apurado por Irion Martins, editado por Vera Dias, revisado por Luana da Silva e moderado por Ana Macarini em 14 de fevereiro de 2022.