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José Candido Ferreira Filho

1945 - 2020

Nunca teve vergonha de chorar, mas preferia sorrir.

Quem dança tango sabe: a condução ocorre pelo peito. Candido atravessou a vida como quem desliza por um tablado argentino, escorregando de coração aberto e macerado pelo drama. Mantinha um relacionamento abusivo com a vida, levou a melhor várias vezes. Ela sempre seduzida a tentar de novo.

Pai de três filhos. Marido de um casamento. Homem que teve pouco tempo de ser menino. Temperava a inconstância dos sentimentos com tabaco – começou a fumar aos seis anos de idade.

Autodidata. Aprendeu sozinho a andar de bicicleta. A falar espanhol. A dançar. A cozinhar. A despedir-se. Viu a mãe dos filhos dele partir e, pouco depois, a filha caçula. Falava sempre nesse reencontro, adiado possivelmente pela preocupação em proteger quem ainda estava por aqui – incluindo uma gatinha, companhia das tardes no sofá. Seguem juntos.

Na última vez em que viu a filha, numa chamada de vídeo improvisada pela médica na UTI do SUS, sorriu quando escutou que era amado. Afastou com a língua o tubo do ventilador para estalar um beijo. Não tem mais sapato duro atrapalhando o baile.

José nasceu em Rancharia (SP) e faleceu em Barueri (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de José, Juliana. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Juliana Parente, revisado por Didi Ribeiro e moderado por Rayane Urani em 17 de agosto de 2020.