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José da Conceição Góes

1940 - 2020

O mundo podia estar se acabando que o Sr. Góes não sairia da cadeira de balanço

Era com o jeito tranquilo, silencioso e sereno que Góes levava a vida. Se você quisesse encontrar com ele, bastaria procurar por sua cadeira de balanço ou seu carro prata, muito bem cuidado, que lá estaria ele apreciando a Música Popular Brasileira. Mais especificamente, provavelmente ouvindo seu cantor preferido, Benito di Paula. Assim ficava, por horas e horas a fio. Talvez o sr. Góes, como diz uma letra de Benito, se reservasse a levar “essa vida do jeito que ela me levar”.

Sr. Góes fazia da cadeira de balanço e do carro suas segundas igrejas. A primeira frequentava com a esposa Maria Rita para renovar a fé e alimentar o espírito da bondade.

Quando criança, enfrentou, até então, o seu maior desafio: levar sozinho - a não ser pela companhia do burro “Delicado”- dois caçuás cheio de carnes para vender na feira da cidade vizinha, que só tinha ouvido falar. A tarefa foi proposta por seu pai, o Chico “do bode”. Góes, filho mais velho, ficou com medo. Até chorou, mas não teve jeito. O menino, que nunca tinha saído da sua cidade, partiu mato adentro. E foi como o seu pai garantiu: Delicado, no dia seguinte, deixou o menino na porta do açougue, pronto para vender as carnes.

Os dois filhos do Sr. Góes, Cristian e Cristianilson, lembram de quando iam à praia de Atalaia no fusca caramelo do pai. A família se divertia jogando bola, construindo castelo de areia e tomando banho de mar. Esses passeios eram raros, por conta das dificuldades que tinham, mas até hoje estão marcados na vida dos filhos. Ah, e foi lá que sr. Góes ensinou os seus filhos a nadarem!

Nos últimos cinco anos, o homem silencioso e tranquilo que Góes fora mudou aos poucos. Se tornou muito afetuoso; e uando os filhos iam lhe visitar, era ele quem ia abrir a porta, recepcionando-os com abraços, beijos e o clássico “Deus te abençoe”.

Em fevereiro, completou 50 anos de casado com Maria Rita. Uma missa e um almoço simples marcaram a celebração de uma união honesta e sincera. Reuniu a família, irmãos, parentes e, vencendo uma timidez crônica, sorriu. A felicidade lhe estampava o rosto e ele não conseguia esconder. Ninguém imaginava que seria sua despedida.

“Em abril, já na pandemia, completou 80 anos. Não teve festa. Um bolinho lembrou a data. Ele estava com uma felicidade doída pelas restrições, mas seu amor era tanto que ele rompeu as regras e me deu o maior e mais profundo abraço. A gente não sabia que era nossa despedida”, conta o filho Cristian.

José nasceu Em Simão Dias (SE) e faleceu Em Aracaju (SE), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido Filho de José, Cristian Góes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Daniel Schulze e moderado por Rayane Urani em 9 de agosto de 2020.