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José Gonçalo de Araújo

1950 - 2020

"Deus te dê felicidade", dizia sempre que lhe pediam a benção. E assim, além de abençoados seriam felizes.

"No momento há dor...", assim Marcos começa a falar sobre seu pai José Gonçalo. Porém, maior que a dor é a história, é o legado. José foi protagonista da história bonita, de alguém que venceu na vida.

José Gonçalo, o Zé Ceará, era um contador de histórias. "E como era bom escutar as suas histórias", conta Marcos. Eram histórias reais, as lembranças saudosas da infância com suas irmãs e irmãos, relembrando a necessidade do trabalho desde cedo para ajudar o pai e a mãe em suas aventuras Brasil afora até se estabelecer em São Paulo. "Nunca senti nenhum tipo de rancor em suas palavras, e cada vez que o escutava, via também um brilho no seu olhar", diz Marcos. As dificuldades pelas quais José Gonçalo passou foram lições que lhe fizeram crescer e lhe serviram de alicerce para toda sua vida.

Marcos conta que muito cedo entendeu que seu pai nunca perdeu seu lado criança e, talvez fosse essa uma das suas maiores virtudes. "Ele era sempre alegre e sem maldades no coração".

José Gonçalo tinha um magnetismo que fazia com que todos quisessem estar perto dele: “Meu pai foi uma pessoa de muitas amizades. Ele era aquele tipo de pessoa inesquecível, de grande luz, que tinha a capacidade de deixar as coisas melhores, mesmo em momentos de dificuldade”.

O filho Marcos se orgulha: “Sou grato por ter sido seu filho e ter tido ele como exemplo de homem reto. Fez sempre o máximo para que nunca faltasse nada para sua família e construiu com pouco conhecimento acadêmico, mas com muito conhecimento de vida, coisas extraordinárias. Definitivamente venceu na cidade grande”.

Mesmo tendo passado por tudo o que viveu, José Gonçalo nunca esqueceu suas origens, sua terra. Decidiu voltar à terra natal e ter a chance de restaurar a casa do seu pai, de reconstruir o que os distantes tempos de seca tinham destruído. No começo a família não entendia muito bem os motivos dessa decisão, mas logo compreendeu que era ali, na sua terra, que ele se sentia vivo. Foi ali que o homem vitorioso encontrou o jovem trabalhador e conseguiu finalmente se sentir completo, debaixo de seus cajueiros, debaixo das mangueiras ou cuidando dos seus bichos.

José Gonçalo será eterno dentro do coração de sua grande família, filhos, netos, irmãos, sobrinhos e amigos. Nesses tempos difíceis, a família se reúne para honrar sua memória e agradecer por ter tido o privilégio de seu convívio no lar terrestre e de receber sua bênção. Resta sim a esperança do reencontro em um lugar livre de todas as dores da humanidade. "Tenho fé no reencontro.”, diz Marcos.

Para a família, é importante guardar as memórias felizes e lembrar que quando um rio encontra o mar não significa que o rio chegou ao seu fim, mas sim que se tornou oceano, algo de uma força maior que não pode ser compreendida pela mente humana. De fato, segue aí mais vivo e poderoso do que nunca.

José nasceu em Jericoacoara (CE) e faleceu em Sobral (CE), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de José, Marcos Roberto de Araujo. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Sandra Maia, revisado por Rosana Forner e moderado por Rayane Urani em 13 de junho de 2020.