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José Sebastião Guimarães

1950 - 2021

Foi pela rede social que encontrou os três amores de sua vida: Maria e seus dois filhos.

O mineiro de Pedralva (MG) viveu uma parte de sua existência em São Paulo (SP). E foi de lá que, utilizando ferramentas do mundo virtual, deu início a um relacionamento à distância com Maria Aparecida, fato que modificou sua vida.

Durante algum tempo, os dois foram se aproximando através de troca de mensagens de texto, áudios, fotos e outros conteúdos. Na sequência, chamadas de voz e vídeo por telefone. Neste movimento digital, cada um ia revelando um pouco de si. Aos poucos, José foi sabendo que a mulher que acabou por conquistar seu coração morava em Redenção (PA). Soube também que ela atuava como técnica de enfermagem em uma área indígena. E que vivia com Carolina e Victor, filhos de outros relacionamentos afetivos de Maria.

Na escuta remota, com seu jeito prestativo, depois de algum tempo, na distância de São Paulo, José percebeu que poderia ajudar Maria nos cuidados e educação dos dois filhos. Passou então a enviar recursos financeiros para ajudar no orçamento doméstico dela.

Em alguma medida já havia amor e José quis conhecer aquela Maria de perto. De ônibus, numa viagem de mais de dois mil quilômetros, que durou mais de um dia de estrada, ele deixou a grande São Paulo (SP) e desembarcou na pequenina Redenção (PA). Carolina conta que ela e outros da família ficaram apreensivos com a decisão dos dois de marcar o encontro. Afinal, sempre há riscos numa aproximação que aconteça via rede social.

O homem de pele branca, estatura mediana, parcialmente calvo e olhos esverdeados emoldurados pelos óculos de grau foi recebido na rodoviária. De lá um passeio para que conhecesse a cidade e o primeiro lanche. Durante a estadia, José foi revelando seu modo sincero de ser e foi conquistando ainda mais a confiança de Maria, de Carolina, de Victor e dos outros parentes.

A simpatia que sentiram por ele culminou na organização de uma festa surpresa de aniversário antes de seu retorno à capital paulista. Teve decoração para enfeitar a casa, bolo, doces e salgados. Feliz, José ao mesmo tempo que agradecia, no seu íntimo já sabia que aquela seria apenas a primeira de outras viagens. Ao longo do tempo ele retornou à Redenção cerca de cinco vezes.

Para Carolina e Victor, José representou a presença da figura paterna, até então praticamente ausente de suas vidas e, de uma forma muito leve, conseguiu repassar valores importantes para os enteados. Mesmo à distância, custeou os estudos dos dois nas melhores escolas de Redenção (PA). Carolina já estava às voltas com a preparação para o vestibular e Victor ainda no ensino fundamental e médio. Sempre que falava com eles, procurava saber como estavam na escola e não poupava palavras de incentivo, apoio e elogios às boas notas.

O fato de Victor ser o mais novo e um menino, fizeram com que José tivesse uma grande afinidade por ele. E no transcorrer do tempo do coração, José foi passando a dizer, cada vez com mais frequência, “eu amo o Victor”.

Bom dizer que o carinho com Carolina também esteve sempre presente. Quando ela se aprontava para suas baladas José costumava dizer que “tinha que aproveitar mesmo. Na minha adolescência eu fazia a mesma coisa.”

Em meio a tudo isso, os afetos e carinhos só aumentavam. Até que em 2018, José e Maria decidiram dar uma guinada na vida. O motivo foi dar oportunidade a Carolina de cursar o tão desejado curso de psicologia. No primeiro momento, Maria mudou-se com os filhos e alguns meses depois José chegou para ocupar definitiva e cotidianamente o lugar de companheiro e pai.

José e Maria até procuraram empregos. Mas depois de algumas conversas e planejamentos, decidiram abrir uma confecção de blusas femininas. Entre as razões para isso estava o ofício que José dominava muito bem de cortador de peças. Em São Paulo (SP) ele trabalhara por longo tempo como cortador de peças em indústrias de uniformes para trabalhadores, mas em função da mudança para Goiânia pediu as contas.

Mesmo sendo uma pessoa extremamente simpática e comunicativa, José gostava mesmo é de ficar em casa. Nos finais de semana e momentos de tempo livre ele ligava o aparelho de som da sala, punha para tocar seus sambas e pagodes e ficava ali saboreando sua cerveja. Nas festas da família, por exemplo, José sempre estava presente. Mas no fundo, no fundo, ele participava para não ficar de fora, por que, de verdade, ele queria mesmo era ficar quieto em casa.

Uma das cenas cotidianas que permanecem na memória de Carolina, acontecia todos os dias pela manhã. José acordava, tomava seu café e depois sentado numa cadeira pegava seu celular para assistir a um jornal paulista on line. De alguma maneira, esse era um hábito para manter aceso o contato com o local de moradia da maioria de seus familiares. “Zezinho”, modo carinhoso usado pelos da família de berço para se referir ao filho de seu José e dona Aria, vez por outra, fazia contato com os irmãos para saber as notícias da família e comentar algumas notícias que ouvia no jornal.

Carolina conta que José gostava muito de acompanhar o noticiário de política e trazia consigo uma sensibilidade social. Foi essa uma das características do pai que chamaram a atenção da filha. Ela comenta que nas conversas com José ficava evidente a maneira crítica como acompanhava os acontecimentos e seu olhar atento sobre a realidade. Era comum que ele dissesse que “eu vivo com uma certa tranquilidade, mas nem todo mundo tem isso em sua vida”. Assim, quando percebia que podia ajudar alguém, era prestativo e colaborava.

Ainda no campo das admirações de Carolina estava a maneira como ele exercia a paternidade na vida dela e de Victor. “É esplêndido o fato de ele não ter gerado nenhum filho biológico, mas ter sido um pai extremamente presente que procurou fazer o melhor por nós dois. Ele exerceu a função de pai de forma exemplar, mesmo sem ser. Fez pela nossa família o que muitos 'de sangue' não fariam. Foi e sempre será nossa família, alguém com quem partilhamos uma época dessa vida de forma muito respeitosa e harmônica”, acrescenta Carolina.

José segue vivo na gratidão que habita os corações de Maria, Carolina e Victor sintetizada na frase de Carolina que diz assim: “Obrigada por tudo que fez por nós. A sua falta é imensa. Te amaremos para sempre, José!”

José nasceu em Pedralva (MG) e faleceu em Goiânia (GO), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela enteada de José, Carolina Nonato da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia e moderado por Rayane Urani em 16 de fevereiro de 2023.