1960 - 2021
Como boa nordestina, não dispensava a farinha e nem sua fé em Deus.
Ela era a continuidade de uma linhagem de Marias. Foi registrada como Josefa por vontade do pai, mas, como sua mãe queria chamá-la de Maria José, ela se tornou mais conhecida como Maria.
Nascida na Paraíba, em uma família de dez filhos, teve uma infância permeada pela escassez. "Nordestina arretada, nordestina 'raiz', de comer carne sem salgar e com muita farinha, ela tinha muito orgulho de pertencer a essa terra, de ter saído de lá. Ela falava que metade de sua força vinha de Deus e a outra metade do lugar de onde tinha vindo, que isso a fazia ser forte do jeito que era", conta a filha, Ana Maria.
Aos 13 anos, por desavenças com o pai, fugiu para o Rio de Janeiro com seu marido e lá teve seus quatro filhos: Andarciara, Anderson, Ana Maria e Verônica, que acabou criando sozinha, com muito trabalho e dignidade. Nessa época, foi acolhida por uma tia e precisou deixar os filhos separados e aos cuidados de outras pessoas. Mas nem por isso ela esteve distante: procurou sempre se manter por perto, indo cada dia da semana a uma casa diferente, onde estava um dos filhos. Assim viveu por um ano, trabalhando em dois empregos, e quando conseguiu uma casa com um beliche, uma televisão e um fogão, e que teve um mínimo de condição, juntou todos eles novamente.
A vida seguiu em frente com suas alegrias e dificuldades. Ela enfrentou provas difíceis como doenças e perda de filhos, mas nada lhe roubou o brilho e alegria de viver. Sempre foi uma mãe muito protetora e comprometida. Vivia em função dos filhos e era preocupada com o bem-estar de todos eles. “Com seu instinto defensor, ela era aquela mãe que sempre nos visitava depois que a gente saiu de casa. Se a gente falasse com a voz um pouquinho trêmula, ela já entendia e vinha parar na nossa casa para saber o que estava precisando, o que estava acontecendo...", conta a filha Ana Maria.
"Minha mãe teve nove netos e seis bisnetos. Quando nasceu a primeira neta, em 1994, ela não sabia o que fazer! Tudo era para aquela garota, até que vieram as outras crianças, que se tornaram seu mundo e sua vida. Ela parava tudo o que estivesse fazendo para satisfazer as vontades dos pequenos e queria estar por perto o tempo todo", continua Ana Maria.
Os genros, Carlos e Júnior, tinham um lugar especial em seu coração e ela ia contra as filhas, se preciso fosse, para defendê-los. Júnior, que morava com ela, dizia que Josefa era a mãe que ele nunca teve.
Ela tinha muito amor, era muito fraterna, muito doce. Como diz Ana Maria: “Minha mãe fazia muita questão de segurar na mão, olhar no olho e falar eu te amo, eu estou com saudade, eu quero estar perto”. Era amável, carinhosa e tinha bondade no olhar, até para as coisas ruins, das quais ela conseguia tirar algo e bom e proveitoso. Com a força desse olhar ela pôde se reerguer sempre que foi necessário.
Ela fazia chamadas de vídeo para cada um dos filhos, reafirmando seu amor e gostava muito de conversar, fazendo com que os netos tivessem até horário marcado para falar com ela, por telefone, todos os dias. Em sua companhia tudo se tornava engraçado e as reuniões familiares significavam diversão, risos, conversas, desabafos e muitos conselhos de valor.
Gostava de fazer comida nordestina. Na cozinha ela também era maravilhosa, e toda comida tinha que ter farinha. A farofa nunca faltava em sua casa e o seu feijão com arroz era inesquecível. “De tudo que preparava, tem uma coisa que a gente nunca esquece: o seu maravilhoso fricassê de frango! Todo mundo da nossa família, quando come hoje esse prato, se lembra dela”, diz a filha.
Dentre suas manias peculiares estava a de comer escondido dos familiares, porque ela tomava muitos medicamentos para combater a hipertensão e era vigiada para não cometer excessos. Então, ela escondia as comidas proibidas para comer depois ou as disfarçava no prato por debaixo do arroz. Depois que ela faleceu, uma filha foi arrumar o seu guarda-roupa e encontrou, adivinhem: nozes do Natal, escondidas em meio às suas roupas!
Ela era uma daquelas mulheres incríveis que sabem o valor de uma forte opinião. Com sua forma de ser, não fugia de nada, encarando tudo de frente e sem medo. "Ela nunca foi de ficar 'em cima do muro', gostava de falar o que achava e as pessoas sempre respeitavam isso", revela a filha.
Para Ana Maria, a mãe “saiu do Nordeste, mas o Nordeste não saiu dela. Ela amava muito sua terra e era muito bom ouvi-la contar as histórias do tempo em que viveu lá". Inclusive, os pais de Josefa diziam que seus avós, José Mariano e Sebastiana Maria, fizeram parte do Cangaço de Lampião, pois essa seria a única explicação do porquê as mulheres da família serem tão fortes e bravas.
Josefa se converteu ao cristianismo aos 36 anos e sua filha afirma: "depois da minha adolescência, não lembro de nenhum momento da minha vida em que minha mãe não estivesse indo à Igreja e orando”.
Sua fé era algo inacreditável e ela tinha esperança de um mundo melhor. Ensinava para os filhos que Jesus Cristo não é uma religião, mas sim um estilo de vida a ser seguido, respeitado, amado, adorado. Nunca se importou com denominações, templos, igrejas, porque sabia quem era e onde estava o seu Deus. Ela dizia que seu espírito sabia para onde ia e afirmava sempre: “A vontade de Deus é boa, perfeita e agradável".
Ela inspirou os filhos a seguirem o Evangelho porque tiveram nela um exemplo muito bonito. Amava tanto o Senhor, que hoje deve estar ao seu lado.
Deixou a fé e o temor a Deus como lema de vida. Este é o consolo que resta à sua família, cheia de saudades e lembranças, que permanecerão para sempre.
Josefa nasceu em Alagoa Grande (PB) e faleceu em Cabo Frio (RJ), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Josefa, Ana Maria Santana de Oliveira. Este tributo foi apurado por Ana Laura Menegat de Azevedo, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 25 de agosto de 2021.