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Julia Folgosa Bonilha

1938 - 2021

Era frequentadora assídua de bailes e bingos, chegando a ser eleita Miss Terceira Idade.

Júlia tinha muitas histórias de sua serelepe infância! Contava que chegou a cair de cabeça na vala ao tentar pegar um peixinho e acabou apanhando por ter sujado seu vestido. Numa outra vez, em mais uma de suas artes de infância, quase se afogou, porque ficou com a cabeça presa na lama.

Isso sem contar o dia em que brincava perto de um casal de namorados e o rapaz disse à ela: “Vai ver se estou de guarda-chuva na esquina!”, e ela, com a inocência de uma criança, foi procurá-lo na esquina! Amava dançar e demonstrava isso nos bailes, e até enquanto ouvia suas músicas favoritas em sua cozinha, dançava e cantava à beça! Relembra a filha Márcia.

Ela conheceu Luiz Carlos num baile. Casaram, tiveram seus filhos: Luiz Cláudio, Elaine e Márcia. Viveram felizes e unidos até que ele, infelizmente, veio a falecer quando a caçula, tinha apenas 6 anos. As filhas brincavam que Luiz Cláudio era o queridinho, entretanto Júlia batia o pé dizendo que amava os filhos de forma igual. Tinham uma ligação muito próxima, conversavam ao telefone em muitas e diferentes horas do dia. Gostavam de ir em Shows do Alexandre Pires e em teatros.

Os netos Fellipe e Rodrigo, filhos de Elaine, eram os amores da vida de Júlia. Durante a infância conviveram muito com a avó e depois de adultos, passaram a se ver nas festas e feriados. Amavam a companhia uns dos outros. As visitas eram constantemente regadas de amor e carinho, ela amava ver a casa cheia com a família reunida.

Depois de viúva, Júlia viveu nove anos muito difíceis, todavia conseguiu se reerguer e, de tanto os filhos insistirem, passou a frequentar Bingos e Bailes da Terceira Idade que terminavam às quatro da madrugada, assim os filhos iam buscá-la todas as vezes, sempre cuidando da querida mãe. Chegou a ser Miss Terceira Idade, com direito a desfile e dizia, que quando falecesse queria ser enterrada com o vestido que usou nessa ocasião.

Era chamada de Juju pelas amigas desse grupo onde se destacava pela alegria de viver, por sua risada, pelo gosto de contar piada e por sua vaidade. Adorava receber elogios, não saía sem brinco e sem passar lápis nos olhos. Se abrissem a janela do carro e o vento batesse em seu rosto, já ficava com medo de bagunçar seus cabelos!

Tinha espírito jovem, quando sua filha Márcia chegava do shopping com roupas novas, ela olhava bem e dizia que queria ir até lá comprar uma igual, pois não gostava de “roupas de velha”. Sua forma de ser e viver a tornou muito conhecida no bairro. Onde andava na rua era reconhecida por todos, os filhos diziam que a mãe deveria se candidatar a vereadora.

Juju se divertia vendo reality show na televisão, principalmente por conta das fofocas! Mesmo que não assumisse seu gosto por fofoca e confusão, acabava dando risadas, quando assistia. Todas as tardes tomava seu café com leite; podia ficar sem almoçar; contudo, não ficava sem seu café da tarde!

Quando jovem trabalhou em lojas, depois que se casou tornou-se dona de casa. Aprendeu a costurar por meio de um Curso por Correspondência que vinha com apostilas, moldes e explicações. Fazia roupas sob medida para suas clientes e até tentou ensinar a filha Márcia, mas não deu muito certo, pois a filha não teve paciência para aprender. Fez da costura uma nova profissão e fazia seus próprios vestidos para os bailes, o que lhe permitia toda semana apresentar-se com um vestido diferente.

Além de costureira era uma grande doceira! Fazia bolos e doces com mestria e acabou ensinando Márcia a fazê-los. Os quitutes eram tão caprichados que logo começaram a surgir encomendas nas quais as duas trabalhavam juntas. Faziam bolos recheados para tomar com café e docinhos de festa. Márcia fazia os doces e Júlia os enrolava. Dizia que a filha era uma “patroa chata”, pois queria que todos os doces estivessem enrolados do mesmo tamanho, e quando não estavam, precisava enrolar novamente.

Conta que também era parceira da mãe no “Departamento Saúde” separando todos os seus remédios, marcando consultas médicas e exames e, quando Dona Júlia era perguntada sobre algo, respondia se referindo à Márcia: “Não sei, quem sabe disso é a minha secretária”, ou então: “Vou pedir para a minha mãe”, quando era convidada a viajar com o grupo da Terceira Idade.

Márcia perdeu para o Covid-19 a mãe e a irmã Elaine. A família com o intuito de eternizá-las e homenageá-las, teve a ideia de realizar a cremação e colocar as cinzas de ambas no terreno de um hotel em São Pedro junto às raízes de dois pequenos pés de Ipê: o de flores brancas para Júlia e o de amarelas para Elaine, um ao lado do outro.

Esta foi a maneira de estar junto delas em uma nova vida com a beleza e amor que as duas carregavam. Márcia conta que quando visita os ipês conversa, chora, expõe seus sentimentos e sua saudade.

Julia nasceu em Santos (SP) e faleceu em São Bernardo do Campo (SP), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Julia, Márcia Cristina Bonilha. Este tributo foi apurado por Luisa Pereira Rocha, editado por Vera Dias, revisado por Magaly Alves da Silva martins e moderado por Ana Macarini em 16 de março de 2022.