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Lenir Maria dos Santos

1951 - 2020

Tinha o costume de guardar latinhas de refrigerante vazias para doá-las aos catadores.

Ela amava a natureza e os animais. Cuidava das plantas e por onde passava, em qualquer lugar, dava um jeitinho de conseguir uma muda para enfeitar o jardim de sua casa.

Muito divertida e espirituosa, agradava a todos não só pela simpatia e cuidado, mas pelas delícias que fazia com tanto capricho e amor. Cozinhava como ninguém. “Fazia o empadão de frango mais famoso, gostoso e cobiçado entre os meus amigos”, relembra o filho de coração, Vinícius. Gostava de comer pastel de rua — na verdade, até trocava qualquer outra opção por ele, e esperava que o filho lhe trouxesse um sempre que retornasse para casa.

Mãe amorosa e cuidadosa, era apaixonada por seus dois netos, ainda que não os visse com frequência. Para Vinícius, ela representava a figura materna, conforme ele descreve: “Ela foi para mim a mãe do coração, a mãe de plantão, meu melhor colo e fiel escudeira. Cuidou de mim e eu dela até o fim”.

Lenir e amor caminhavam sempre juntos: ela tinha a habilidade de ressignificar os sentimentos e conseguia transformar tristeza em luz — que transmitia a todos, com sua gargalhada incomparável e contagiante.

Ela gostava de música e todo ano, em seu aniversário, pedia um celular que “tocasse alto”, para que pudesse ouvir as músicas preferidas enquanto fazia suas atividades. “Sempre pedia para eu baixar músicas no celular dela”, relembra Vinícius.

Priorizava o outro. Inúmeras vezes foi capaz de tirar o pouco que tinha para doar a quem precisasse, e sempre que podia ela se lembrava daqueles que podia ajudar. Assim, guardava latinhas vazias para depois entregar aos catadores. Vinícius descreve um momento que remete a essa atitude: “Uma vez, fomos a uma churrascaria e ela, toda tímida, mas decidida, ficou chateada quando o garçom recolheu a lata vazia do refrigerante que ela tinha tomado: 'Que homem mal-educado, levou a latinha e nem perguntou se eu queria levar pra casa'”, relembra ele.

Lenir tinha o sonho de melhorar a casa que ela mesma ajudou a erguer e que cuidava com tanto carinho. Sonhava também em voltar à Fortaleza, viagem que fez com Vinícius vinte anos antes de adoecer. "Mas precisaria ser de ônibus, porque a última viagem de avião não lhe trazia boas lembranças", relembra Vinícius, que finaliza a homenagem com afeto: “Ela partiu deste plano, mas permanecerá para sempre em nossos corações”.

Lenir nasceu em Ilhéus (BA) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de coração de Lenir, Vinicius Melo da Silva. Este tributo foi apurado por Ticiana Werneck, editado por Hortência Maia, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 13 de janeiro de 2022.