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Liane Reis de Almeida

1961 - 2020

Pensar numa música de Barry White e numa mulher feliz em curtir a vida numa linda praia é pensar nela.

Uma pessoa do bem. Uma mãe realizada por ter seus três filhos — seus amores —, Patrick, Derek e Renan, encaminhados na vida. Além deles, Derek e Tally, a nora, lhe deram duas joias que faziam brilhar os olhos da avó: Tarek e Theo.

Mas, como não só de sangue se constroem famílias, mas principalmente de amor, Liane tinha também como netos: Carlos Eduardo e Bernardo, que foram os presentes trazidos à família pela nora Márcia, esposa de Patrick.

Sua irmã Luciane conta que Liane sempre teve um bom relacionamento com os pais de seu ex-esposo, Renato Fábio. Mesmo após a separação, Seu Renato e Dona Marlene sempre a ajudavam e tratavam-na como filha.

Era uma bonita relação de troca, pois a filha postiça dos eternos sogros cuidou deles com muito amor. Logo no início da pandemia, morou com o casal por trinta e cinco dias para organizar tudo, deixar compras de mercado e ajudá-los no que fosse possível. Os dias, tão bem contados, vêm da memória do caçula, Renan, que mora com os avós e ficou com a lembrança tão recente da convivência com a mãe.

Luciane lembra que a irmã era muito querida na roda de amigos. "Era muito típico de Liane chegar quando tinha um grupo de pessoas e fazer um cumprimento geral, falando 'oooiiis'! Com certeza ela deixará saudade para todos que tiveram o prazer de conviver com sua alegria."

Liane sempre foi batalhadora. Trabalhou em banco, em gráfica, mas teve problemas de saúde: um dos rins atrofiou e acabou perdendo sua função. Isso a levou a uma aposentadoria precoce, mas não à inatividade. A reinvenção lhe caiu bem e ela voltou-se à venda de semijoias, sua última atividade.

Após a separação, não se casou mais, mas conheceu Maelno, um engenheiro também aposentado, sem filhos, e encontrou nele um grande companheiro. "Ele tem uma deficiência na perna, anda com uma bengala, mas nada disso o limita, é uma pessoa ativa como minha irmã. Possui um carro adaptado e ambos tinham uma paixão em comum: viajar pelo mundo! De avião ou de carro, eles percorreram muitos caminhos juntos e se divertiram bastante."

Rodaram do Norte ao Rio Grande do Sul, de carro, parando em diversas capitais. Viviam conhecendo praias, coisa que Liane amava. E também adoravam sair juntos com outros casais de amigos. Os últimos anos dela foram muito tranquilos e felizes. "Nunca vi minha irmã tão plena como mulher. Ela gostava de música e 'You Are The First, My Last, My Everything', de Barry White, era uma de suas preferidas", conta Luciane.

Irmã querida de Luciane, Rosiane, Viviane e Júlio. Filha amada do Seu José Fernandes e da Dona Anna, já falecida, ela foi a primeira da família a se proteger usando máscara. Mas quis o destino que também fosse a primeira a adoecer desse vírus que não escolhe vítimas. Seu pai, de 86 anos e a esposa, também se contaminaram. Seu José recuperou-se, porém não a tempo de estar presente na despedida da filha.

Imediatamente, por precaução, isolou-se no quarto da casa onde morava com Rosiane, Viviane e o sobrinho João Victor, por vinte e um dias. Tempo superior à indicação médica, mas preferiu a cautela ao risco de contaminação das irmãs. A nora Márcia foi muito dedicada, ajudando com diversos cuidados, injeções e exercícios de respiração.

"No tempo que ficou em isolamento, Liane preocupou-se em fazer uma agenda com todo o controle das vendas já feitas e a contabilidade. Não sei se era uma ocupação, uma rotina mesmo ou algum pressentimento", relata, com tristeza, Luciane.

Acrescenta ainda a irmã que, "logo em seguida, o 'namorido' Maelno também foi diagnosticado com o vírus e isolou-se em sua casa. E assim ficaram, distantes até o final, sem se ver".

Quando todos contavam estar chegando ao fim o isolamento forçado, Liane piorou e precisou ir ao hospital. Luciane, em breves palavras, lembra o quanto foi difícil perder sua mana em uma luta tão desigual: "Ela era hipertensa e tinha histórico de síndrome do pânico. Então, ficar no hospital e no oxigênio, deixou-a muito aflita e agitada. Logo a intubaram e foram os 40 dias mais longos da vida de toda a família. Tínhamos notícias uma vez ao dia, pelo grupo de aplicativo de mensagens, enviadas pelo Patrick. Em sua última semana, os médicos permitiram visitas dos familiares através de um vidro. E, como ela já não estava mais contaminada ao falecer, pudemos fazer seu velório. Descanse em paz minha irmã. Te amarei eternamente".

Liane nasceu em Belém (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Liane, Luciane Reis Delgado. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Phydia de Athayde em 9 de outubro de 2020.