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Lilian Maria Cacella de Castro

1957 - 2020

Com um beijinho na testa dado por Lilian, nada de ruim poderia acontecer.

Lilian Maria Cacella de Castro, era o amor da vida de todo mundo.

Era o centro e a base da família. Aquela que tomava decisões, reunia os filhos, netos e noras à sua volta. Tinha um coração gigante.

Alegre e carismática, conquistava todos com uma gargalhada que era só sua. Amava sair para bater pernas na rua. Ao primeiro convite para um passeio, lá estava ela, pronta. Quando davam por si, já estava no carro esperando pela próxima aventura.

Adorava cozinhar. O arroz com feijão, tão comum no dia a dia, tinha um gostinho especial quando era preparado por ela. Bolo de carne, rissole, farofa... Na sobremesa, também nunca deixava a desejar: gelatina de morango com leite condensado, salada de frutas, o bolo fofinho que só ela sabia fazer. Ana Maria Braga teria encontrado uma parceira e tanto na cozinha, caso viesse a conhecê-la. Tudo feito por Lilian ficava saboroso porque tinha gostinho de amor.

Na lista de avós que vivem em função dos netos, vovó Lilian com certeza estava entre as primeiras da fila. Era avó coruja. Perdia-se no tempo costurando bonecos para os quatro netos que retribuíam em gratidão e admiração todo amor e carinho recebido. Estava disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, sem folga para finais de semana ou feriados. E tudo bem ser assim, porque nesse caso, para ela, valia a pena cada segundo a mais de plantão.

Amava novelas. Ultimamente estava assistindo a um seriado de médicos. Nem sempre assistia para valer. Na verdade, acabava tirando um cochilo no meio do episódio. Mas o sono passava na hora quando alguém resolvia trocar o canal; "Os meninos dessa casa só querem saber de ver futebol!", ralhava Lilian.

Era boa de briga, mas só de mentirinha. Brincava de brigar. Gostava de importunar os genros, noras e filhos. Eles não cediam tão fácil, e provocavam de volta; no final, tudo se resolvia. A briga era de brincadeirinha, mas o amor sempre foi real.

E o marido?! Alguém pode perguntar. Lilian e José Maurício Neville foram companheiros de uma vida toda. Completariam 40 anos de casado em janeiro. Era impossível pensar em um, sem pensar no outro. Eram um só. Lilian cuidava dele como se fosse mais um filho. Estavam sempre juntos, apoiando-se mutuamente; eram parceiros, cúmplices.

No solzinho da manhã, no cafezinho (ou nos vários cafezinhos da manhã que tomavam juntos), nas caminhadas, nas muitas e muitas viagens. Era o porto seguro dele, a melhor amiga, a guia. Um passeio com os filhos sem José Maurício era suficiente para ficar com saudade. "Será que ele já comeu? Vou levar uma comidinha pra ele". Juntos, riam, brigavam, brincavam. Juntos construíram uma história de amor como poucos constroem. Juntos, os dois, acima de tudo, se amavam.

A união serviu de exemplo para os três filhos que puseram no mundo. Bruno, Pedro e João tinham nos pais um espelho de comunhão a dois. Aos poucos, cada um faz o que pode para seguir os mesmos passos. Todos já estão casados há mais de 15 anos. Fazem bem a lição de casa; afinal, não é muito difícil, tiveram ótimos professores.

Lilian foi uma mãe incrível. Ensinou os melhores valores aos filhos, e encheu o mundo com amor, generosidade, companheirismo e muito, muito carinho. Estava sempre pronta para os ajudar, e se irritava quando não atendiam suas ligações; coisa de mãe. Sempre cumprimentava ou se despedia dos filhos com um beijo. Ali, dentro daquele gesto havia uma espécie de escudo, nada nem ninguém poderia atingir "os meninos" de Lilian; para ela a proteção morava naquele beijinho dado na testa.

Colecionou amigas e amigos com seu jeito espontâneo, de risada gostosa. Era boa de conversa, de conselhos, de passar tempo jogando conversa fora, ou decidindo o futuro da nação. Muitas amigas ela carregava com todo carinho desde a juventude. Outras foi ganhando na escola, na natação e outros espaços de convivência dos filhos. Era carismática, autêntica, divertida. Era luz.

Lilian partiu cumprindo sua missão aqui na Terra. Foi mãe, filha, avó, esposa, amiga. Ajudou quem podia, como podia. Aqui, fica a saudade da comida deliciosa, da gargalhada única, da simpatia sem igual. Saudade da Lilian. Ninguém faz arroz com feijão como ela, nem outra gargalhada no mundo é tão gostosa de se ouvir como a sua. Mas tudo bem, porque de vez em quando, alguém sente um estalo na testa. É o beijinho de proteção de Lilian; só pode ser.

Lilian nasceu Rio de Janeiro (RJ) e faleceu Rio de Janeiro (RJ), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido filho de Lilian, Pedro Neville. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bárbara Aparecida Alves Queiroz, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 23 de janeiro de 2021.