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Lindaura Santana Fidelis

1949 - 2020

Religiosa e tímida se descobriu cantora, jamais participava do coral sem estar com os longos cabelos lindíssimos.

Lindaura, ou Linda para os íntimos, era muito religiosa e frequentava diariamente a igreja. Ir aos cultos era sagrado para ela.

Dona Linda era tímida. Todavia, descobriu seu dom para o canto no coral da igreja, algo que nunca pensou em fazer.

O coral se apresentava em encontros, cultos e eventos realizados pela igreja. Por conta disso, Dona Linda passou a conhecer cada vez mais pessoas e era perceptível sua alegria e seu prazer em fazer novos amigos.

Sempre vaidosa, ficava muito feliz em usar sua veste dourada para cantar, mas se negava a tirar fotos se os longos cabelos não estivessem arrumados. Usava-os soltos e não admitia cortá-los.

Mulher de fé, seu grande desafio era manter a família unida. Mãe de Leandro, Alexandre e Luciene, e também avó carinhosa, Lindaura era tranquila e amiga. Dona de um coração enorme, “se alguém sentisse uma pontada de dor de cabeça, Linda largava tudo para estar do lado de quem estivesse precisando”, lembra a filha.

A filha Luciene conta que seu destino com a mãe foi traçado. Luciene não foi gerada do ventre de Dona Linda; um amor incondicional surgiu imediatamente no coração da mãe quando pegou a bebê pela primeira vez no colo, isso quando Linda tinha apenas 21 anos e a menina, que sequer tinha nome, apenas um mês de vida.

Irmã do pai de Luciene, Lindaura tinha dois filhos biológicos. Dois meninos. Luciene se tornou sua única filha. Sem dúvidas, esse fortíssimo laço de amor e comunhão foi formado porque Dona Linda, além de se tornar a mãe de da menina, era também sua tia e madrinha. Como diz Luciene, "estava escrito que seria assim”.

A moça gostava demais da comida que a mãe fazia. “O sabor da comida dela sinto na boca só de pensar”, recorda. O frango ensopado com macarrão ficou na memória.

De manhã, o cheiro na cozinha já começava com o famoso cafezinho. Dona Linda também amava comer uma boa comida baiana e beber suco de frutas. De tarde, ela sempre arrumava um tempinho para um cochilo.

O sustento de Lindaura e de seus filhos veio da cozinha. Sempre muito batalhadora, Dona Linda fazia geladinho (o famoso sacolé, em outras regiões) para vender na escola, junto com outros produtos. Muitas vezes levava banana real e bolo, de acordo com o gosto dos clientes.

A mãe que defendia Luciene, contra tudo e contra todos, era a mesma que colocava limites na filha levada. Como a menina amava subir nas árvores do quintal, pular corda, jogar bola e andar de bicicleta com os colegas, Dona Linda tinha um segredo para contê-la em casa. “Minha mãe, quando não queria deixar eu sair para brincar, ela escondia minhas calcinhas e eu não podia sair. Cresci e sempre perguntei a ela onde era o esconderijo, e ela nunca me contou. Ela partiu levando esse segredo.”, conta Luciene.

Dona Lindaura era fã de novela, não perdia uma. A filha lembra como era engraçado vê-la assistindo a cena onde o mocinho, ou a mocinha, seria atacado pelo vilão. “Ela ficava falando pra ele olhar para trás, o chamava de lerdo, e eu sempre dizia: - mãe, ele não está te ouvindo. E caíamos no riso!”

Lindaura nasceu em São Francisco do Conde (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Lindaura, Luciene Lima De Santana. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Danielle Rangel, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 7 de junho de 2021.