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Lofriza Felisberto Henrique

1933 - 2020

Mesmo com a maior ventania, sua fé não se abalava. Dona Nena entendia o que o vento trazia.

Dona Nena era vaidosa e gostava de estar sempre bem-arrumada. Ela era viúva do Sr. Adail, empresário muito conhecido em Criciúma, pois o primeiro estabelecimento da cidade catarinense a ter uma câmara frigorífica foi a Pescados Santo André, a empresa de Adail.

As principais características de dona Nena eram a teimosia e a fé. Era muito católica e temente a Deus. "Ela tinha pilhas de livrinhos de oração. Quando eu era criança, rezávamos juntas o 'Pai-Nosso Pequenino'", conta a neta Maria, sabendo que nunca irá se esquecer da oração e de vó Biba, como ela carinhosamente chamava a avó.

Maria conta ainda que vó Biba adorava comer salames e roscas. Ela se deliciava quando apareciam essas duas iguarias na mesa. Porém, os chocolates que ganhava, esses ela guardava todos para presentear a neta preferida, como ela mesma se referia a Maria.

Dona Nena gostava de contar piadas, mas não aceitava muito bem quando faziam piadinhas com ela. Ao ser questionada sobre um ou outro pretendente, ficava uma fera e pedia que parassem com besteiras, pois havia feito voto de castidade quando o marido faleceu.

A neta acredita que tirou a sorte grande e é grata por elas terem sido sempre tão próximas. Desde quando vó Biba fazia todas as suas vontades e elas rezavam juntas na infância, até quando, já adolescente e estudando nas proximidades do asilo onde a avó vivia, Maria sempre arrumava um jeitinho de passar por lá depois da aula para colocarem o papo em dia.

Dona Nena sempre gostou da canção "O Vento", cantada pelo conjunto regionalista Os Monarcas:

"O vento foi, o vento vem
Será que o vento já me atendeu?
Só resta agora você entender
Que esse vento é o nosso Deus..."

Apesar de forte e inesperada, a rajada de vento levou consigo vó Biba e não deixou tempo para bênçãos nem despedidas, mas certamente não conseguiu levar nenhuma das preciosas e doces recordações de Maria. Para a neta, essas lembranças jamais serão esquecidas.

Dona Nena foi com o vento, pois Deus precisava de mais um anjo ao seu lado.

Lofriza nasceu em Criciúma (SC) e faleceu em Criciúma (SC), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Lofriza, Maria Henrique Leandro. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 23 de janeiro de 2021.