Sobre o Inumeráveis

Luciano de Oliveira Serra

1932 - 2020

Um marinheiro que navegou o mundo e fez de sua casa e sua família o seu porto seguro.

Ele era uma pessoa muito séria, perfeccionista e rigorosa, conforme exigia o código da Marinha do Brasil, onde ele chegou à patente de Sargento. Sob todos os aspectos, Luciano sempre foi muito presente, ativo e independente, e talvez sua experiência familiar o tenha tornado assim tão responsável pela vida, pelos irmãos, pela esposa e pelos filhos.

Viveu sua infância no interior e como o filho mais velho de uma família de 14 irmãos logo cedo teve que ir morar com os padrinhos — que mais tarde vieram a ser seus sogros —, para tentar uma vida melhor.

Essa proximidade com a família da esposa favoreceu que se conhecessem e convivessem desde a infância. Ele foi o primeiro namorado dela e casaram-se ainda jovens. Mudaram-se para o Rio de Janeiro, onde criaram seis filhos: Jorge, Antônio, Francisco, Lucília, Davi e Lucélia.

Odília foi a vida toda muito carinhosa e apaixonada por Luciano, e fazia questão de demonstrar isso. Ele, por sua vez, demonstrava carinho de outras formas, fosse pensando na educação dos filhos, fosse cuidando bem dela, com pequenas atenções, do tipo ir buscá-la no trabalho, que ficava apenas a duas quadras de casa. E no final da vida, quando Odília teve Alzheimer, ele fez de tudo por ela, assumindo cada detalhe de sua doença.

O casal viajava muito e moraram em várias cidades; Luciano, inclusive, morou fora do Brasil por um período. Tinham uma vida tranquila em todos os sentidos e o respeito entre eles era algo incrível a ponto de praticarem religiões diferentes, mas cada um acompanhar a crença do outro.

A relação de Luciano com os filhos mais velhos era marcada pelo respeito à moda antiga, ou seja, meio distante. Dos mais novos ele pôde aproximar-se um pouco mais, porque já havia se aposentado e podia participar de suas vidas. Da filha Lucélia era muito mais próximo, porque compartilharam responsabilidades ao cuidar da esposa, da casa e de buscarem atenção médica para ela. Pôde também acompanhar essa filha à escola, num período em que ela queria ser modelo e sempre a incentivou em suas iniciativas: ficou radiante quando ela ingressou no doutorado.

A personalidade de Luciano era marcada por sua solicitude, responsabilidade, e pelo desejo de resolver o que quer que fosse antes do tempo previsto; de tomar a frente de tudo e de ajudar o próximo. Para isso, era capaz de tudo: desde pedir ajuda em emissora de rádio, até carregar pessoas em seu carro, em qualquer situação que fosse necessário, conforme ele mesmo dizia: “seja gente viva e feliz, gente doente ou triste e, em alguns infelizes casos, até pessoas já mortas”.

Em seu tempo livre mantinha-se rigoroso como nos tempos do trabalho. Gostava muito de ler, de cuidar da casa, das plantas e da Belinha, sua cachorrinha. Lia de tudo, e isto facilitou diversificar sua experiência como professor, catequista e técnico de futebol. Mas o que o deixava mesmo feliz era reunir todos em um jantar especial ou comemorar aniversários — que ele jurava não gostar, mas que deixava na família a impressão de que algo faltava quando eles não aconteciam.

A filha Lucélia conta com carinho: “Eu gostava de estar perto dele. Eu morava em outra cidade e era muito prazeroso quando ele ia me visitar e podíamos cozinhar algo especial ou sair para almoçar em um restaurante. Ele não verbalizava, mas o fato de ir fazer as compras e sempre querer saber como os outros estavam era a forma dele demonstrar seu carinho”.

E continua: “Ele era um homem muito forte apesar das fragilidades da vida. Eu me lembro dele sempre que tenho alguma responsabilidade — pois ele sempre recomendava que eu nunca deixasse minha irmã em uma situação difícil, que eu nunca deixasse algo importante de lado e que eu fosse sempre forte. Ele dizia também que nós deveríamos ser firmes, mas respeitosos e gentis sempre”.

Ele possuía duas grandes paixões: o fusca e o mar. Tinha amor ao fusca por ter nele levado sua esposa para a maternidade quando a filha Lucélia nasceu. O carrinho ficou na família por mais de vinte anos, sempre muito bem cuidado, e até se tornou objeto da cobiça alheia, conforme relata Lucélia: “Quando íamos ao mercado, sempre tinha alguém nos esperando para perguntar se ele gostaria de vender. E essa paixão passou para mim: cheguei a fazer um curso de mecânica para aprender como restaurar fuscas".

E em relação ao mar, sua paixão era forte devido ao trabalho na Marinha, que lhe permitiu viajar para alguns países e permanecer seis meses na França; mas ele se estabeleceu mesmo foi no Brasil.

Algumas coisas continuam fazendo Lucélia recordar-se do pai, como o cheiro de mato molhado, porque ele falava com frequência que "precisava viajar para sentir esse cheiro", que renovava suas energias; bem como quando ela vê um fusca ou aprecia alguma comida regional nordestina.

Lucélia recebeu do pai a missão de cuidar da irmã. Os valores que Luciano praticou em vida lhe darão o apoio necessário para enfrentar todas as dificuldades e assumir essa responsabilidade.

Luciano nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Luciano, Lucélia Mara de Souza Serra. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Mühl, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 23 de setembro de 2021.