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Luiz Carlos Alves de Souza

1930 - 2021

Deixou inúmeros registros de uma vida íntegra e repleta de amor datilografados em sua "moderna" máquina de escrever.

O Senhor Luiz Carlos era homem de cultura ampla; lia dois jornais diariamente: A Tribuna da Baixada Santista e - como não lhe bastavam as notícias locais -, consultava também O Estado de São Paulo, que ele chamava de "bíblia", dado o volume do periódico. Precisava se inteirar de tudo; por isso, não havia parte ou caderno que escapasse à sua atenta observação, lia de ponta a ponta, até anúncios e rodapés. Para não o correr o risco de ficar sem a atualização das notícias, era assinante dos dois jornais.

Amava comer, era o primeiro a se sentar e último a se levantar da mesa; as refeições eram momentos de prazer. Ensinou a todos os seus a paixão pela gastronomia variada: árabe, japonesa, chinesa, italiana e argentina - em especial a parrillada. "Enfim, ele era o nosso querido glutão", conta a filha Liliana.

Cozinhar, ele não cozinhava; gostava mesmo era de saborear variedades gastronômicas; ora preparadas por sua amada Dora, ora garimpadas em diversos restaurantes. A história de amor entre Luiz Carlos e Dora começou em um baile de Carnaval, na cidade de Garça, interior de São Paulo. O namoro progrediu e o casal formou uma linda família com filhos, netos e bisnetos.

E por falar em Dora, houve uma passagem familiar envolvendo um certo pintinho chamado Lilico que entrou para a história da família. Trata-se de um episódio meio engraçado, porém trágico. Às sextas-feiras, a criançada tinha por hábito ir à feira livre perto de casa para comprar pintinhos. Certa vez, trouxeram para casa um especialmente gracioso a quem chamavam de Lilico. Onde a molecada ia, lá ia atrás o pintinho. Até que em um domingo ninguém achava o Lilico; procura daqui, procura de lá e nada do pintinho. Acontece que domingo era dia de macarronada com frango. E, verdade seja dita, àquelas alturas Lilico já tinha deixado de ser pintinho há muito tempo. Pois é... foi uma gritaria e uma choradeira só; a criançada não se conformava com o triste destino do pobre Lilico. Quando acontecia dessas coisas, Luiz Carlos comentava: "É Dora fazendo uma de suas Doradas!".

Luiz tinha um automóvel DKV marrom quando os filhos eram pequenos. A família saía em longas viagens de férias no mês de julho, todos acomodados no carro, rumo a grandes aventuras. Liliana relembra uma delas, que marcou muito e traz lindas memórias: "Meu pai, minha mãe, eu e meus irmãos fomos conhecer o interior do Rio Grande do Sul; parávamos em cidades pequenas, sempre em busca de coisas inusitadas. Paramos em fabriquetas de facas artesanais; fomos até Lageado onde tem as gemas de pedras semipreciosas brasileiras. A viagem não tinha destino estabelecido, íamos parando em cidades que nos despertasse interesse. Passamos dias de inverno em Vacaria e fomos até a fronteira do Brasil com a Argentina na cidade de Uruguaiana".

Era um homem simples e humilde. Nunca fez questão de adquirir luxos para si, não dava importância a roupas ou calçados; tinha pouquíssimas peças de vestuário. Fazia mesmo questão de investir em livros, educação e estudos. Primeiro comprou uma máquina de escrever antiga; depois, trocou-a por outra "mais moderna"; não era afeito a recursos tecnológicos. A família guarda com o maior carinho e apreço caixas e mais caixas de folhas de sulfite datilografadas por Luiz Carlos; são trechos de livros, anotações jurídicas ou acontecimentos que ele registrou para a posteridade.

Formou-se em Direito, foi Promotor de Justiça e, depois que se aposentou, começou a advogar na cidade de São Vicente - Litoral Sul do Estado de São Paulo -, onde residia na companhia de sua amada Dora com quem foi casado por sessenta e três anos. Foi, inclusive, homenageado com o título de Cidadão Vicentino.

"Sou muito grata por ter tido a honra de ser filha desse homem extraordinário, que nos deixou um legado de valorização da cultura, do saber e da polidez", despede-se com amor a filha Liliana, autora da homenagem e os netos Michaela, Layla e Bruno.

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Homenagem da neta Ana Carolina, a Caru, ao seu amado avô:

Vô Luiz sempre dizia a todos: “O trabalho enobrece o ser humano.” Trabalhou até os últimos dias da sua vida.

Sentava à velha máquina de escrever e lá anotava frases... notícias importantes... Falava que estava guardando pra eternidade.

Ficou eterno em nossos corações!

Te amamos,
filhos
netos
e bisnetos.

Luiz nasceu em Promissão (SP) e faleceu em Santos (SP), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Luiz, Liliana Moreno Alves de Souza. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Luana da Silva e moderado por Ana Macarini em 1 de novembro de 2021.