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Luiz Ribeiro Gonçalves Filho

1961 - 2021

Falava alto e de tudo fazia uma piada: nova, velha ou inventada.

Esta é uma carta aberta da filha Danielle para seu tão amado pai:

Para os amigos, Piauí; para os irmãos, Tila; para nós, simplesmente pai. Se pudéssemos imaginar que aquela visita seria a última, trazendo o último abraço, a última ligação... Nunca teríamos deixado o senhor partir sem dizer, repetidas vezes, o quanto te amávamos e continuaremos te amando. Não era o melhor, mas, para nós, filhas, era perfeito em suas imperfeições; e por poucos meses foi o melhor avô que o Yan teve.

De uns anos pra cá, suas ligações eram por vídeo, como se soubesse que em algum momento a vida nos tiraria a oportunidade de olhar suas rugas de expressão, seu jeito sem jeito de segurar o celular; e de ouvir suas mesmas histórias, responder às suas mesmas perguntas ou ouvir aquela "live" particular que ele fazia pra gente. Ele amava Djavan, que nós também aprendemos a amar: crescemos ouvindo nosso pai tocar músicas dele. Embora ele tocasse de tudo, do nacional ao internacional — mesmo criando um idioma próprio —, a música "Corsário", de João Bosco e Aldir Blanc, parece ter sido escrita para a voz dele e a forma dele de tocar violão.

Ele tinha um jeito de chamar cada uma de nós. No shopping, dizia nossos nomes, com aquela voz alta dele, para nos "matar de vergonha" de ver todo mundo nos olhando. E quando ele ligava, ou mandava uma mensagem em áudio, era sempre num tom diferente e engraçado. Como bom advogado, sabia usar bem as palavras; e a palavra "inutilizada", nunca soou tão engraçada e carinhosa quando pronunciada por ele. Amava sorvetes de açaí e cupuaçu da sorveteria Cairu. Quando vinha a Belém, tomar seu sorvetinho era uma tradição. Era o piauiense mais paraense que eu já conheci.

A Covid-19 não tirou de nós apenas um pai. Tirou as visitas, as ligações, as risadas, os momentos; deixou o vazio de lembranças particulares, deixou inúmeras perguntas sem respostas, deixou tristeza, dor; saudade que tem cheiro, som, nome e sobrenome. Essa doença levou as mensagens de aniversário, de Natal, Ano Novo, de bom dia e boa noite, que nunca mais foram e nem serão os mesmos depois da retirada precoce dele do meio de nós. Precoce para nós que aqui ficamos, porque para Deus, sabemos que o papai cumpriu sua missão na terra.

Mesmo depois de um ano de sua partida, pra nunca mais voltar, ainda pego o celular e, por impulso, quero mandar mensagem mostrando algo, mostrando um vídeo, falando sobre o Paysandu, que jogou muito mal e perdeu... Olho milhares de vezes pro seu número e quero te ligar, pai. Mas eu sei que outra pessoa irá atender a ligação que seria pro senhor. Assim como o aplicativo de mensagens, que já apagou sua foto.

Tenho certeza que em cada uma de nós três, suas filhas, a saudade machuca de uma forma diferente. As lembranças não são iguais, porque o senhor era diferente com cada uma de nós, mas o amor que sentimos pelo senhor com certeza é o mesmo: imensurável.

Luiz nasceu em Oeiras (PI) e faleceu em Teresina (PI), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Luiz, Danielle Zuquim Ribeiro Gonçalves. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Danielle Zuquim Ribeiro Gonçalves, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 16 de abril de 2022.