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Luiz Silvio Sessa

1952 - 2020

Dono de uma inteligência afiada e questionadora, foi com ele grande parte das conversas mais interessantes que tive.

Essa é uma carta aberta de Lucas para o seu pai, Luiz:

Corajoso e batalhador, você resistiu com bravura e paciência, à espera de esclarecimentos e avanços que pudessem combater uma doença complexa e ainda tão enigmática para toda a ciência. Sua grande amiga ciência. Te conhecer bem sempre foi mesmo um privilégio de poucos. Na semana passada, fomos nos despedir de você, um momento tão difícil quanto importante para o esforço de enfrentar o trabalho de suportar a falta que você faz e torná-la minimamente compatível com a manutenção da vida.

Conhecidamente ansioso e rápido em tudo que fazia, também para ir embora foi cedo demais. Com seu jeito quieto e discreto, deixa um vazio estrondoso. Dono de uma inteligência afiada e questionadora, foi com você grande parte das conversas mais interessantes que já tive. Queria tanto saber o que você pensa de tudo isso que está acontecendo no mundo!

Você transmitiu, com nobreza, sua paixão pelo exercício rigoroso do pensamento. Pensávamos diferente em relação a assuntos importantes e, depois de algum debate mais acalorado, nos flagrávamos estudando o ponto de vista um do outro. Principalmente você. Eu ainda tenho muito a aprender com a sua humildade. Obrigado pelas aulas de física e matemática, confesso que não aprendi muito, mas perdi o medo e até passei a gostar. Acho que é isso que importa, né?

A dor da sua ausência é maior e mais funda do que qualquer coisa que caiba na ideia de saudade, e olha que essa palavra já habita os limites da linguagem. Aqui também está difícil respirar sem você, pai.

De poucas palavras, conhecia com precisão a expressividade potente dos seus gestos e atitudes. Até seu silêncio era cheio de nuances. Dessa vez, ele nos emudece a todos. Marido zeloso e companheiro, sua presença em casa ensinou sobre respeito verdadeiro, amizade sincera, convivência gentil. Ser seu filho me faz querer ser pai e manter vivo seu exemplo. Ser parecido com você é motivo de tanta alegria e me deixa tão orgulhoso que até acho graça na precocidade da calvície e na largura do meu nariz. Prometo que vamos cuidar bem uns dos outros.

Cozinhar com você foi um dos maiores prazeres que tive na vida. Vou seguir tentando aprender suas receitas, ainda que você tenha, estudioso e disciplinado, chegado muito mais longe. Tenho saudade do seu tempero. Preciso usar mais louro, eu sei, você sempre me lembrou disso.

Obrigado por tudo, pai. Descansa, você fez tudo que pôde. Mas a ciência tem limites, é preciso reconhecê-los e trabalhar muito para superá-los, você sempre dizia, sem ser ludibriado pelos enganosos atalhos do caminho. Perder você é o que de mais triste já me aconteceu. Não seria justo com a sua generosidade que a dor da sua ausência inviabilizasse a continuidade da vida de quem você ama. Pois então, o amor pela sua memória e a gratidão pelo seu exemplo se farão motores da minha existência.

O único jeito de viver sem você, é viver por você.

Luiz nasceu em Bebedouro (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Luiz, Lucas Simões Sessa. Este tributo foi apurado por Michelly Lelis, editado por Phydia de Athayde, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2020.