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Manoel Ribeiro Costa

1946 - 2020

Subindo e descendo o Amazonas, Seu Gaspar deixou sua ajuda amiga por onde passou: isso é garantido!

Apesar de ter nascido em Faro, no Pará, Manoel foi registrado e criado no Urucuri, no interior do município amazonense de Nhamundá. Ao nascer, o pai biológico do menino ─ Boaventura Jacaúna ─ deu a ele o nome de Gaspar. Entretanto, meses mais tarde, ao ser oficialmente registrado pelo padrasto, o nome escolhido foi Manoel. Então, simbolizando um "agrado familiar", todos da família Jacaúna chamavam-no apenas de Gaspar, a vida toda.

Aos 25 anos, Manoel ou "Seu Gaspar", partiu rumo a Parintins em busca de melhores condições de vida com a esposa Maria Amélia e os seis filhos pequenos. Saiu para "buscar a vida", como ele próprio dizia. Na nova morada, enquanto dedicava-se às viagens descendo e subindo o Rio Amazonas, encontrou seu crescimento pessoal e profissional. Ele atuou como ajudante de marinheiro e carregou consigo, por toda a vida, um colar com um pingente em forma de âncora.

Era torcedor fanático do Flamengo e, em dias de jogo do time carioca, todos os filhos, netos, amigos, colegas e quem mais aparecesse no "Zero Hora", o mercadinho do Seu Gaspar, ficavam para assistir à partida do Mengão.

Os filhos Marcos, Max, Manoel, Zeila, Zelinda e Zélia também fizeram suas vidas em Parintins, todos são graduados. "Sua partida ainda mexe muito comigo. Fui criado por ele desde os meus 3 anos... antes de partir ele me deixou formado pela Universidade do Estado do Amazonas", conta com gratidão Manoel, que orgulhosamente herdou e carrega consigo além de muitas histórias do querido avô, o nome.

Esposo, pai, avô de 20, bisavô de seis, amigo de todos e super-humilde, Seu Gaspar tinha um coração generoso. "O amor dele pela esposa era inexplicável", afirma o neto consciente da reciprocidade do sentimento que a avó também nutria pelo marido.

"Ele era muito amoroso, vaidoso... Quando saía de casa para comprar algo, ia todo cheiroso na sua motocicleta. Não era de ficar parado, mas gostava de ficar sentado na sua cadeira preferida, que eu chamava de 'trono'. Ninguém sentava no trono! Só ele! Quando chegava um cliente para comprar um bombom, ele recebia, colocava a moeda na testa e permanecia sentado na sua cadeira preguiçosa. A TV ficava na parede, bem no alto, o que fazia com que todos ficassem com o pescoço bem inclinado para cima para conseguir assistir aos jogos. Outra característica marcante de meu avô é que ele não gostava de estragar comida. Fazia questão de oferecer pra alguém. Não eram restos que estavam sendo distribuídos, era só pra não jogar a comida fora mesmo", conta ele.

Seu Gaspar foi uma pessoa incrível, um ser humano de coração aberto para quem "ajudar" não limitava-se a ser apenas mais um verbo a se conjugar. Gostava de ajudar os amigos, os conhecidos e até mesmo quem ele nem conhecia direito. Quando não podia dar um aporte financeiro ou algum bem material, fazia questão de ajudar fazendo doação de sangue. "Dizia que doar sangue lhe fazia bem", conta o neto.

Anualmente, no final do mês de junho, quando se iniciava o Festival Folclórico de Parintins, o torcedor do boi vermelho ficava empolgado. Na véspera, preparava a casa para receber os convidados. O convidado de honra era sempre o cunhado Odacy Okada (in memoriam), um coronel aposentado e torcedor do boi Garantido. Eles foram como irmãos enquanto estiveram juntos. Desta forma, Seu Gaspar fazia questão de sempre arrumar um lugar para o cunhado passar as noites do festival em sua casa. "No período bovino, meu avô gostava de fazer uma renda extra. Era nessa época do ano que os visitantes lotavam a cidade e ele então aproveitava para unir o útil ao agradável", conta o neto. Manoel passava as três noites de festa torcendo para que a performance do seu Garantido fosse a melhor durante as apresentações e sempre vibrava muito com o enredo.

Foram tantas histórias vividas, tantos ensinamentos deixados, tantas toadas do Garantido... Mas agora que Seu Gaspar descansa no Senhor, sua partida aflora uma imensa saudade em cada um que teve o prazer e a honra de conviver com ele.

Manoel nasceu em Nhamundá (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo neto de Manoel, Manoel Augusto Lima Costa Filho. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Rayane Urani em 16 de maio de 2021.