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Manuel Vieira do Nascimento

1931 - 2020

À beira do mar, pôde contemplar em paz uma vida de muitas batalhas.

Aos 15 anos, Manuel deixou o interior de Sergipe para tentar a vida em Santos. No começo, trabalhou em bares, lanchonetes e estacionamentos, até se estabelecer e trazer toda a família – eram dez irmãos – para a famosa cidade portuária paulista, onde se tornou conhecido comerciante no ramo de automóveis.

Diz a filha Cláudia que ele “gostava de fazer as coisas do seu jeito”. Talvez seja uma forma de descrever seu caráter firme, sua obstinação, sua independência. Manuel deve ter aprendido a lidar de maneira dura com a vida, porque certamente ela não lhe foi menos dura, como não foi com tantos nordestinos que, como ele, migraram para o sudeste, tão promissor naqueles meados dos anos 1940. Essa firmeza explica a insistência em permanecer independente e autônomo: a idade avançada não o impedia de dirigir o próprio carro ou de ir ao médico, ao banco ou às compras sozinho ou acompanhado da esposa, das filhas ou de algum irmão.

Havia, entretanto, sinais indiretos de uma delicadeza que só poderia se manifestar assim num homem nascido no começo do anos 1930, no sertão sergipano: foi um avô que se fez presente no crescimento dos netos Matheus e Bruna – e muito se orgulhava dessa presença (que provavelmente não teve em sua adolescência) –, um marido, pai e irmão sempre disposto a ajudar os que estivessem próximos, alguém muito solícito, que jamais negava favores, uma pessoa que adorava se cercar de familiares e parentes. "A perda recente de duas irmãs", diz Cláudia, "o entristeceu e o amedrontou, como se o lembrasse da proximidade de sua própria morte". Manuel, com certeza, gostava da vida. Que, próximo dos 90 anos, pôde contemplar, feliz e pleno, em suas costumeiras caminhadas à beira do mar.

Manuel nasceu em Carira (SE) e faleceu em Santos (SP), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Manuel, Claudia Alves Vieira Mulero. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Joaci Pereira Furtado, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 2 de agosto de 2020.