1970 - 2020
Ele fazia pequenas grandes coisas diariamente nessa função da vida que ele escolheu para ser: pai.
Carta aberta escrita pela filha, Ana Paula, com todo o seu coração:
Meu pai,
Um grande homem, um grande profissional, um grande amigo, um grande irmão. Entre milhares de coisas, a melhor função dele era ser um "Grande Pai".
Escrevi algumas cartas para ele e postei nos momentos de dor que senti, mas nenhuma e nem essa, são capazes de descrever como ele era grande.
Meu pai tinha muitas manias, muitos hábitos, cozinhava como ninguém. Meus amigos vinham em casa pela comida dele, não por mim. A lista é extensa, não tem um prato principal que as pessoas gostassem, são vários: estrogonofe, feijoada, pão com salsicha e por aí vai. Cada amigo meu diz que vai sentir falta de uma coisa diferente.
Meu pai teve 4 filhos e criava seus dois netos. Seu maior ofício era ser pai. Ele amava ser pai; ele não tinha problemas em mimar os filhos, tanto que ele era até criticado por isso.
Quando refleti sua perda, notei que faziam uns 2 anos para mais que eu não comprava pão. Meu pai comprava pão à noite ou ia comprar a primeira fornada só para a gente acordar e ter o pão na mesa e não ter que ir buscar. Ou ele acordava meia hora antes para deixar a louça lavada, ou ele mudava a rota do trabalho pra nos ajudar e deixar em algum lugar, ou ele chegava em casa com docinhos para os netos TODOS OS DIAS.
A lista é muito extensa mesmo. Ele fazia pequenas grandes coisas diariamente nessa função da vida que ele escolheu para ser: PAI.
Tem uma coisa que eu sei que ele amava, que era cozinhar para as pessoas e vê-la sentadas comendo. Ele mesmo não comia; simplesmente cozinhava por horas e ficava olhando com aquele olho brilhando todo mundo comer.
Quando veio minha primeira menstruação, ele estava por perto; eu fiquei muito desesperada e ele foi calmaria. Ele fazia questão de estar presente em tudo que pudesse, em tudo que dissesse respeito aos filhos e, também, os netos.
Ele, como profissional, era excelente, nunca atrasava. Ele odiava atrasos. Brigava muito comigo e meus irmãos por isso. Trabalhava há onze anos na maior montadora do mundo, e era muito respeitado. Foi efetivado sem formação específica para um cargo que a exigia, mas a sua competência o fez crescer. Os amigos do trabalho fazem questão de sempre dizer a falta que ele vai fazer.
Ele era chato também, gostava de tudo sem nenhum defeito e isso às vezes nos trazia atritos. Eu abria a porta do armário e esquecia aberta e ele ficava louco. Mas, essa mesma vontade de fazer tudo perfeito transformava ele em um pai que fazia tudo para nós.
O João (meu filho) diz que a vida dele vai ficar mais difícil, agora, sem o leitinho do vovô. Meu pai não deixava ninguém fazer o leite dele. Já vi o João ir dormir bem tarde só para esperar um leitinho do vovô.
A vida dele eram os netos, já que a gente cresceu e diminuiu um pouco a função dele de ser pai. Ele vivia pra fazer a felicidade deles. Um dia teve uma briga em casa, pra saber quem ia assistir o que na TV da sala. Passou um tempo, ele chega em casa com uma TV dizendo que era dos netos que só eles poderiam escolher o que assistir naquela tv.
São inúmeras coisas que faziam meu pai ser especial. Me doeu ver um velório onde não tinham milhares de pessoas dizendo o tanto que ele agregou na vida delas.
Eu preciso de um livro pra descrever tudo o que meu pai era e tudo o que ele conquistou. Ele fazia camisetas com a foto dos filhos para andar na rua, ele brigava por coisas que ele sabia que íamos fazer, ele conhecia a gente tão bem, que antecipava a bronca e a gente sempre achava que ele estava falando demais e no fim ele tinha razão.
Desculpe se as palavras estiverem desencontradas, se não ficar claro como meu Pai era incrível. É que todas as palavras deste mundo sempre serão poucas para ele.
Marcelo nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Marcelo, Ana Paula Gomes. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Ana Macarini, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 25 de dezembro de 2020.