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Marcelo José Pereira Carvalho

1974 - 2021

Um amante da história do Pará que apreciava a arte em todas as suas manifestações.

Marcelo e a Lenna se conheceram quando faziam mestrado na Universidade Federal do Pará, e estudavam juntos num curso da Aliança Francesa de Belém. A amizade entre eles nasceu de um convite para que ela fosse seu par numa dinâmica de grupo, e se fortaleceu nas conversas no café do intervalo, nos passeios e atividades culturais e religiosas de que participavam.

A amiga Lenna não se esquece de quando assistiram a uma ópera de Giácomo Puccini e ele fez uma adaptação da música, com seu lado petista, cantando: ‘Eu nunca mais vou te esquecer, eu nunca mais vou te esquecer, Dilma!’. Era a época em que a presidenta passou pelo impeachment. “Ele sempre falava que as coisas iam piorar. Era muito à frente do seu tempo, sabe? Isso me marcou muito porque a gente estava na escada do Teatro da Paz, prestes a assistir ao 'Turandot', e aí ele me solta essa pérola no meio da escada.”

Outra lembrança divertida de Lenna foi a epopeia de ir a um show da banda A-ha, que demandou deles uma manhã inteira sob o sol na fila para trocar kits escolares pelos ingressos, além de uma viagem à cidade de Barcarena com um grupo de amigos embarcados em seu Celtinha.

"Ele me levou em uma padaria que é portuguesa aqui de Belém, que é histórica. Amava os pasteizinhos de Belém, uma iguaria portuguesa, muito benfeitos nessa padaria. Nessas ocasiões pude conhecer melhor quem era o Marcelo.”

Lenna conta que participaram juntos da tradicional festa realizada na cidade: “Aqui em Belém nós temos o Círio de Nazaré, em outubro. Todo ano é uma adoração para Nossa Senhora de Nazaré, só que antes do Círio há uma festa profana chamada Auto do Círio. Ele amava o Auto do Círio... Fui em um e foi lindo, as pessoas vestidas de anjo, um bando de drag queens passeando, como num desfile. Tudo misturado com as músicas aqui do Pará, o carimbó. Marcelo era um festeiro!”

Frequentava o cinema cult apresentado pela Fundação Tancredo Neves toda quarta-feira, com filmes da América Latina, europeus, e uma semana específica dedicada ao cinema francês. "A gente ia comentando depois sobre o filme. Também assistíamos a filmes com temática LGBT sempre que tínhamos tempo."

Como historiador, interessava-se muito pelo passado do seu Estado, a belle époque, as artes, o teatro e temas que abordavam o círculo boêmio da cidade. Deixou também como legado um trabalho sobre suicídio na história paraense. Era servidor do Tribunal Regional do Trabalho e fazia diligências sobre questões trabalhistas.

Marcelo tinha ascendência portuguesa e sonhava em obter o visto europeu e talvez fazer seu doutorado fora do Brasil. Seus irmãos moravam fora de Belém, e assim era ele quem cuidava dos pais. Tinha carinho pelos sobrinhos e em especial pelo afilhado, cuja foto sempre fazia questão de mostrar aos amigos.

Possuía um coração enorme. A amiga conta que, se estivesse para baixo, ele era aquela pessoa que a colocava de alto astral. "Acho que a gente já teve alguma interação de outras vidas. E, se ele estiver aqui pelo lado, deve estar rindo da minha cara."

Marcelo nasceu em Belém (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 47 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga de Marcelo, Lenna Eloisa Madureira Pereira. Este tributo foi apurado por Brenda de Oliveira Teixeira, editado por Vera Dias, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 20 de abril de 2022.