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Marcelo Silva

1958 - 2020

Ao fechar os olhos para mergulhar, Marcelo sempre lembrava de casa.

Bomba. Era assim que era conhecido o sempre alegre Marcelo. Mergulhador de profundidade 350m e um homem dedicado, nunca desanimou, mesmo com o trabalho exaustivo no mar. Mar esse que era sua segunda casa.

Pai de Marcella, Raphael, Marcelo, Gabriel e Larysa, o mergulhador foi casado três vezes. Fernanda, sua última esposa, era chamada de “gatinha manhosa”.

Mesmo sendo carinhoso, Marcelo tinha dificuldade em se expressar e expor seus sentimentos em palavras, mas o fazia em atitudes. Nos sete meses que passou morou com a irmã Maria Lúcia, ela pôde conhecer melhor o Marcelo sensível, que se preocupava com cada pessoa da família.

Tinha o sonho de se aposentar para aproveitar mais sua casa, a família e o mar. Ah o mar, amigo inseparável do eterno mergulhador.

Jornalista desta história Matheus Fernando Sanchez de Siqueira, em entrevista feita com irmã de Marcelo, Maria Lúcia.

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A cada vez que fechava os olhos para mergulhar, Marcelo via três rostos: o de sua esposa Fernanda e os de seus filhos, Rafael e Gabriel. Lembrava-se do quanto gostava de beijá-los no rosto ao abrir o portão de casa. Os cachorros da família, que tanto se empolgavam ao vê-lo, também recebiam carinho.

Marcelo gostava de viver e de se divertir. Saudável demais, de um jeito que ninguém explicava. Praticava esportes, pescava, amava a profissão. Só a carteira de identidade indicava que estava com 61 anos. Com corpo e mentalidade de 40, era mergulhador profissional na Usina Nuclear de Angra dos Reis. Dos bons.

Na luta durante a doença, Marcelo conseguiu conversar com a esposa até quando não tinha mais palavras. Primeiro, utilizavam as redes sociais para se comunicar. Ela, em casa. Ele, no hospital. Fernanda o via à distância, assistiu-o no coma induzido e sempre achou que ele iria melhorar.

Quando Marcelo foi entubado e as notícias pararam de vir, ela teve de ir até ele incessantemente. Lutava contra as determinações do hospital para conseguir uma informação. Ligava, ligava, ligava. Sem poder se despedir de verdade, enquanto acontecia uma dessas ligações, Marcelo teve uma parada cardíaca. Foi reanimado feito milagre.

Talvez tenha sido esse o último “Eu te amo” que deixou à esposa e aos filhos.

“Fiquei tantos dias perto, mas tão longe. Não podia encostar nele”, lamenta Fernanda. Ela lembra que no fim do mês estariam comemorando 22 anos de casados.

Marcelo nasceu Carangola (MG) e faleceu Rio de Janeiro (RJ), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.

Jornalista desta história Josué Seixas, em entrevista feita com esposa Fernanda Martins Silva, em 30 de maio de 2020.