1930 - 2020
Vivia no meio do seu pequeno jardim; tudo que ela tocava florescia.
Em 1930 acontecia uma grande depressão mundial, mas nascia a pessoa mais alegre e esperançosa que Elisa, neta da Dona Margarida, conheceu. Espírito Santo, cidade de Guaçuí. Lá estava Margarida Mamoni dos Santos, que com 9 anos já trabalhava na colheita da horta e cuidava de outras crianças. Na juventude adorava tocar sanfona e cantar nos bailes da época.
Dona Margarida, representando todas nossas ancestrais, também foi impedida de ser quem queria, por um tempo foi auxiliar de parteira e queria ser enfermeira, mas por ser mulher seu pai não a deixou estudar. Entretanto, Dona Margarida conseguiu fazer com que todos seus filhos completassem o ensino médio e formou uma filha professora, mesmo morrendo analfabeta. Elisa faz Serviço Social e conseguiu compensar essa luta histórica tanto na vida pessoal quanto na profissional. Viva os assistentes sociais!
Pelo visto quebrar paradigmas sociais é algo que a senhora conheceu e ensinou, se casando contra a vontade da família. Branca igual farinha de trigo, como descreveu sua neta, se casou com seu marido, tão retinto quanto o chocolate que colocava no bolo mesclado que você fazia. Elisa disse que foi o melhor que ela já comeu. Desse casamento, nasceram 3 filhos e 3 filhas, esses vieram do útero, mas com o coração grande que tinha sempre acolhia e criava em casa alguns filhos do coração.
Margarida morava no interior e lá carregava balde de água na cabeça porque não tinha água encanada. Quando precisou se mudar para o Rio de Janeiro em busca de ajuda médica ao marido que estava com tuberculose, trouxe nas suas costas todos seus filhos, seu marido adoentado e foram morar numa comunidade. Além de trabalhar como empregada doméstica e auxiliar de serviços gerais, construiu uma casa em cima de uma cisterna e distribuía água para os vizinhos quando o fornecimento era cortado.
"Ela que um dia passou fome e sede entendia que era impossível viver sem água. Dói saber que quando ela morreu no hospital, ela sentiu o que dizem ser uma sensação de se afogar no seco", desabafa Elisa.
Ela trabalhou até quase os 80 anos e mesmo depois que parou de trabalhar por imperativo médico continuava acordando antes de todo mundo. Adorava cozinhar e chamar a família para almoçar em sua casa, como boa matriarca, e nem precisava ser domingo, qualquer segunda ou quarta-feira que a família a fosse visitar ela tinha um almoço de domingo pronto. “Quando a gente ia embora e ligava para avisar que chegamos bem, ela dizia que já estava com saudades” lembra Elisa.
"Quando dormia na casa dela, ela me acordava cantando baixinho uma música que tocava nos bailes:
acorda maria bonita
acorda vai fazer o café
o dia já vem raiando
e a polícia já tá de pé
se eu soubesse que chorando
empato a tua viagem
meus olhos eram dois rios
que não lhe davam passagem
cabelos pretos anelados
olhos castanhos, delicados
quem não ama a cor morena
morre cego e não vê nada"
Por inspiração ou coincidências da vida, Dona Margarida era branca dos cabelos amarelos e vivia no seu pequeno jardim. Tinha mãos muito boas, tudo que ela plantava florescia. Ela ensinou à Elisa que, em um jardim, as plantas precisam uma das outras para fazer sombra e equilibrar a umidade e intensidade do solo.
Saiba, Dona Margarida, que hoje Elisa entendeu que a semente da sua vida foi a família que construiu e que, mesmo de longe e em luto, eles são a força uns dos outros por sua causa.
Margarida nasceu Guaçuí (ES) e faleceu Duque de Caxias (RJ), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.
Estudante de Jornalismo desta história Larissa Pacheco de Carvalho, em entrevista feita com neta Elisa Beatriz Guerra, em 18 de maio de 2020.