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Maria Agripina de Almeida Luiza

1939 - 2020

Deixou a lembrança do biscoito e da bala que sempre guardava no bolso para entregar aos netos.

Nascida no interior de Minas Gerais, Maria Agripina se casou ainda adolescente e teve oito filhos.

Passou a metade da vida na roça, trabalhando exaustivamente com o cabo da enxada nas mãos. Por diversas vezes, o único alimento que conseguia colocar na mesa era uma sopa de banana verde, canjiquinha e refogado de folhas de batata, sempre sem gordura ou tempero.

Talvez por causa de tanta carência e sofrimento, tinha a saúde delicada. Sempre ficava acamada e queixava-se de todo tipo de dor.

Quando estava grávida de 7 meses do seu oitavo filho, perdeu seu marido de forma trágica. Espedito Luiz Claudino faleceu em decorrência de queimaduras graves, causadas pelo querosene, o combustível utilizado nas lamparinas da casa onde moravam. Morreu dias após Maria Agripina ter completado 41 anos, deixando um filho maior, sete filhos menores e nenhum bem.

“Meu pai, José Estevão Claudino, o único filho maior, estava trabalhando em outro estado para conseguir ajudar no sustento da casa e somente soube do falecimento do pai após o seu sepultamento. Voltou para o seio da família e ajudou sua mãe a conduzir os irmãos”, conta a neta de Maria Agripina, Alessandra Helen.

Na cidade, Dona Maria recobrou a saúde e mesmo analfabeta, conseguiu emprego como auxiliar de serviços gerais. Enfrentou seus medos e passou muitos apertos para poder dar o melhor aos filhos.

Pegava ônibus sem saber ler, manuseava dinheiro com a destreza de um contador. Conhecia todas as ruas do centro de Belo Horizonte, como se houvesse em sua mente um mapa, sempre à disposição para guiá-la.

Trabalhou por muitos anos no Minas Tênis Clube, onde se aposentou e fez vários amigos. Conseguiu criar seus filhos, ver nascer e criar inúmeros netos e bisnetos. “Muito mais que um número, minha linda avó, Dona Maria, era a perfeita encarnação da alegria de viver, mesmo com todas as adversidades que enfrentou ao longo de sua jornada”, orgulha-se a neta.

Deixou muito mais do que saudades. Deixou também a lembrança da sua vaidade, da sua mania por limpeza, da sua religiosidade, do seu gosto por chocolate branco e da sua paixão por animais, principalmente os peixinhos de aquário, gatos e calopsitas.

Foi uma pessoa extraordinária, acima da média. Intensa. Dedicada. Feliz. Muito feliz. De uma alegria tão presente que, mesmo em seus últimos dias de vida, ainda brindava os seus com um belo sorriso e várias brincadeiras.

Quando fecha os olhos, Alessandra Helen ainda consegue ver o sorriso da avó e ouvir as suas gargalhadas. E é essa a imagem que ela quer guardar dessa bela força da natureza que retornou para os braços de Deus.

Maria nasceu em Itauninha (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Alessandra Helen Alves Claudio. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Fernanda Queiroz Rivelli, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 5 de maio de 2021.