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Maria Aparecida Carvalho Santos

1960 - 2021

Ao som das mais autênticas músicas sertanejas e gospel, ela costurava com prazer delicadas peças.

Maria Aparecida era uma mulher inteligente e dura na queda. Apesar de não ser a mais velha entre seus oito irmãos, em algum momento de sua vida, tornou-se a matriarca da família.

Durante cinco ou seis anos ela morou sozinha e a experiência adquirida nesse período tornou-a mais prática do que muitas pessoas que, diferentemente dela, não sabem o que é conviver durante vinte anos com as sequelas de um AVC, tentando se adaptar, reconhecendo as dificuldades, buscando novas habilidades e lidando com as impossibilidades.

Seu último trabalho foi em 2002, em uma empresa de avicultura; ofício pesado, árduo, difícil, mas feito sem reservas como tudo que costumava fazer, só interrompido quando sua saúde exigiu que ela o deixasse.

Ela amava costurar e o fazia usando a mão que permaneceu sadia; amava flores, plantas e animais — menos as galinhas, porque o cocô delas a deixava inquieta. Gostava de piadas e música raiz, principalmente a "gospel" e a sertaneja.

Dentre os tantos talentos que possuía, o maior deles era a fé, que a tornou uma mulher forte para enfrentar as durezas da vida sem se sentir desamparada por Deus em nenhum momento. Embora tivesse pouco conhecimento das ciências da terra, suas palavras apontavam a sabedoria de quem possuía um temor admirável em seu Deus, e seu bom humor nunca interferiu nele. Muito pelo contrário: esboçava um leve deboche que alcançava a velocidade da luz quando algo a desagradava.

Sua filha, Wenia, fala da coragem da mãe mesmo nos momentos mais difíceis: “Durante toda a minha vida, vi várias vezes o medo em seus olhos, inclusive enquanto os sintomas da Covid-19 iam ficando piores; mas não é que o medo não a atingia, era como se houvesse um filtro em seu coração que destilava tudo e lançava a coragem em suas reações. A última vez que nossos olhos se encontraram — enquanto ela se encostava na maca do SAMU como se fosse numa poltrona —, eu a vi sorrir e caçoar com os olhos: 'Uhull, vou ver Jesus primeiro'! Que saudade dela"!

Maria nasceu em Montes Claros (MG) e faleceu em Montes Claros (MG), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Maria, Wenia Fabrina Carvalho Santos. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 29 de setembro de 2022.