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Maria Barbosa de Araújo

1948 - 2020

"Faça tudo com amor e a diferença será percebida de longe”, costumava dizer.

Mulher de fé, luta e acolhimento eram particularidades que a descreviam bem. Enfrentou muitas dificuldades na vida, mas sua poderosa fé sempre foi o mais importante e, assim, foi capaz de superar qualquer obstáculo. Maria tornou-se exemplo para os filhos quando os ensinou a rezar e a crer que as coisas poderiam dar certo. Sua vida foi um verdadeiro abraço amigo para sua família e para os outros.

Com as vitórias alcançadas ao longo da vida, Maria Barbosa, ou Barbosa, como gostava de ser chamada, ensinou aos seis filhos que as conquistas eram prova da existência de Deus, que sempre cuidou de tudo, inclusive de seus quatro pequenos, que logo se tornaram anjos. Ela fazia com que todos se sentissem amados por Deus, mesmo com as dificuldades diárias. Maria dava um jeitinho e levava todos os filhos ainda crianças para o Santuário Nacional de Aparecida. Lá fazia agradecimentos e promessas, e também pagava as promessas anteriores. Certa vez, o cabelo das filhas era parte da promessa. Era proibido de cortá-lo.

Maria não realizou o sonho de ser mãe de filhos gêmeos, mas foi avó, sendo mãe duas vezes, uma grande surpresa que a vida lhe preparou. A alegria tomou conta de seu coração com a notícia de que ganharia netos gêmeos. Sua filha, a mãe dos meninos, foi sua companhia diária: moravam juntas, era uma pela outra.

Sua filha Eliane diz ter ficado emocionada ouvindo as palavras de uma enfermeira: “Nossa, como sua mãe é amada por vocês”, percebendo que o amor que via era mais que especial. Aquelas palavras confortaram o coração da filha, que reforçou: “Mas ela era muito amada mesmo, sempre foi”.

Após a partida de Maria, só ficou mais evidente o quanto ela era conhecida e querida pelas pessoas. Todos os familiares são unânimes: foi extremamente gratificante ter convivido com ela e ter partilhado essa convivência.

Baixinha e Bruxinha foram apelidos que ganhou carinhosamente dos expositores da feira que frequentava todas as terças na comunidade. Maria ia comprar pão e ganhava ovos dos feirantes, ovos que, logo em seguida, voltavam fritos para os amigos comerem, acompanhados de um bom suco e um gelado "chup-chup". Caso sumisse de vista, sua falta era logo sentida e questionada por eles. Ela era a vovó mais querida da comunidade, sendo chamada assim até mesmo por aqueles que não eram seus netos de fato.

E como uma vovó tradicional, Maria era cozinheira de mão cheia. O preparo e o sabor especial de sua comida eram capazes de fazer qualquer um salivar apenas pelo aroma gostoso que exalava. Pratos simples e fáceis, como arroz e feijão, tinham seu toque especial, além de serem suficientes para saciar a fome. A salada preparada por ela também tinha um sabor diferenciado. Sua berinjela à parmegiana então… certamente será lembrada pelos deuses. Quando interrogada sobre qual tempero usava nas receitas, era certa sua resposta: o amor. E ela realmente sempre teve razão.

Maria tinha propriedade no preparo das mais diversas refeições e ficava feliz com os elogios que recebia por seu dom culinário. “Era mais gostoso quando ela nos servia, mas era exagerada”, Eliane relembra. E, claro, em sua casa não faltava o famoso cafezinho. A vizinhança chegava de propósito para tomar uma xícara, ou mais, de seu café especial repleto de amor.

Maria não teve a chance de estudar, o que não a impediu de se tornar uma mulher inteligente e batalhadora. Por nunca ter trabalhado formalmente, sua renda vinha dos produtos de beleza que vendia. Sua simplicidade só fazia dela uma pessoa ainda mais encantadora e prendada. Por seu capricho nos serviços domésticos, era indicada para fazê-los a outras pessoas. Assim, ficou conhecida por muitos, fazendo amigos e deixando um pouquinho de si em cada um.

Estava sempre presente nos velórios de membros e amigos da comunidade. No dia de Finados, fazia questão de visitar todas as tumbas do cemitério local. Maria procurava estar perto das famílias, mesmo não sendo próxima delas. As pessoas a procuravam para desabafar e falar dos problemas pessoais. Com seu dom da palavra, trazia conforto e ajudava quem precisasse, amenizando as dores que enfrentavam. Ainda assim, ver o sofrimento emocional e físico do outro não era fácil para ela.

Quando seus netos nasceram, Maria não pôde estar na maternidade. Mesmo de longe, fazia-se presente, acompanhando tudo pelo telefone, demonstrando apoio e rezando, trazendo sua fé como guia.

Como avó, foi sempre protetora, principalmente com os netos mais velhos. Quando as mães chamavam a atenção dos filhos, a avó estava ali para intervir, amenizar a bronca e proteger os queridos netos. Era costume preparar batata frita e purê para eles, que gostavam muito. Ela fazia qualquer coisa para vê-los felizes.

Por mais simples e até mesmo séria que fosse, Maria foi figura exemplar para os filhos, ensinando tudo o que era certo e reforçando que "o mais importante é a gente deitar com a cabeça no travesseiro e dormir com a mente tranquila”. Eliane reforça que “por isso a gente tinha que agir corretamente com as pessoas e com tudo que a gente fosse fazer”.

Maria era uma excelente contadora de histórias, incluindo as suas próprias, e transmitia força com as palavras. Honestidade e trabalho eram valores importantes para ela, que sempre dizia: “Se não é seu, não mexe”. Momentos como esse são lembranças que serviram e continuam servindo de grande exemplo.

Quando teve oportunidade de voltar para a escola, já adulta, não pôde realizar seu grande sonho. As aulas eram no período noturno, o que não se encaixou em sua rotina. Uma vitória foi certa, porém: Maria já sabia escrever seu nome. Ela não gostava de usar as assinaturas digitais, por isso fez questão de aprender a escrevê-lo de próprio punho.

A vivência de Maria faz jus a todas as homenagens, memórias e palavras de carinho e respeito expressas por aqueles que a conheceram e tiveram o privilégio de sua presença. São homenagens constantes que ela continua recebendo, mesmo depois de sua passagem.

Maria Barbosa foi casada com Matias Ribeiro de Queiroz. Foi mãe de dez filhos. Quatro deles são anjos que ainda crianças foram morar com Deus. A vida permitiu-lhe criar os outros seis e ser avó de 20 netos e bisavó de 13 bisnetos.

Maria nasceu em Ibicoara (BA) e faleceu em Praia Grande (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Eliane Queiroz Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Jamília Lopes, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 7 de outubro de 2020.