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Maria Coicev

1922 - 2020

Do seu jeito, amou intensamente e tentou de todas as formas levar a mensagem de Jesus.

Esta é uma carta de Val para sua mãe, Maria:

Ela era casada, teve seis filhos, viveu um amor infinito pelo meu pai que faleceu do coração, viveu mais vinte e tantos anos se alegrando dos 22 netos.

Ela era da igreja Batista, a vida toda pregou os ensinamentos cristãos de fé aos filhos, aos netos, aos amigos, a quem encontrasse na rua e conversasse, sempre foi seu objetivo levar as pessoas ao encontro de Deus, tornava-se até chata às vezes, mas dizia coisas que sempre fazia a pessoa meditar sobre aquilo.

Ela lia a Bíblia todos os dias, sabia quase tudo de cor, e sempre tinha um discurso de fé em final feliz, perseverança, seja qual fosse o problema.

Ensinou-me a crer que Deus escreve direito por mais tortas que sejam as linhas, é só questão de tempo.

Fez com que eu acreditasse que nada na nossa vida acontece por acaso se estivermos conectados e confiantes em Deus, tudo vem para crescimento nosso. Mas o preço da vitória é ser um bom filho, o que honra os ensinamentos da Bíblia.

Ensinou-me a orar com fé e certeza de alcançar, mas também de aceitar a resposta contrária e esperar o tempo dizer o porquê.

Ela dizia: "Tudo na nossa vida tem um plano do Pai a ser cumprido, cabe a nós percebermos e cumprir".

Ela não admitia ter doenças, filhos de Deus têm perfeição, na verdade, ela tinha mesmo uma saúde de ferro, seu único problema era velhice e artrose, e orava pra Deus tirar as dores e renovar seus ossos.

Não gostava de médicos, dizia que eles não sabiam nada e sempre se medicava com remédios simples da farmácia ou caseiros, que sempre curavam.

Só esteve no hospital por poucas vezes necessárias. Uma vez com dengue (foi chamada de "vovó saúde" pelas enfermeiras) e depois quebrou o fêmur. O médico disse: “ela não tem nada que dificulte a cirurgia, vamos colocar uma prótese”. Sentiu muitas dores, ficou depressiva, rejeitou fisioterapia, achei que não andaria mais, não queria andador... Depois de uns seis meses pegou a bengala que ganhou e saiu andando, não parou mais até chegar o dia de partir.

Com 97 anos ela ainda dizia coisas muito interessantes e inteligentes, gostava de analisar as coisas e dar sentido a tudo.

Quando começou a pandemia, ela não acreditava, dizia: “eu nunca vi isso nos meus quase 100 anos de vida, é tudo mentira política”. E me fez explicar tudo, todos os detalhes, todas as notícias, tudo que estava acontecendo, até fotos laboratoriais do vírus e tudo sobre sua ação e a doença. Ela entendeu tudo e disse: “se é você que diz, eu acredito”. Então, parou e disse: “Agora eu preciso saber porquê? Deus, por quê? Por que o mundo está passando por isso? Qual o objetivo disso?” E vendo que a maioria atingida era de idosos, ela disse: “Acho que o anjo do Senhor veio buscar os velhinhos que não conseguem ir embora”. Eu chorei muito naquele dia.

Passou algum tempo, a doença veio, esse inimigo invisível, que ser humano nenhum conseguiu conter o seu rastro. Embora tendo contato com ela, não tivemos a doença.

Ela, algumas vezes, já pedia pra Deus dar descanso, e aceito que devia ser o dia de partir, mas preferia que não fosse assim; muito triste, mas a morte não se escolhe, ela vem e não há outra alternativa a não ser aceitar, talvez só do outro lado esteja a explicação.

O conforto é crer que está no Céu com Deus, num novo tempo, e eu creio. Sua missão foi cumprida.

Maria nasceu na Bulgária e faleceu em São Paulo (SP), aos 97 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Valdivia Coicev. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 3 de setembro de 2020.