1940 - 2021
Com as vizinhas criou uma rede de apoio mútuo: era o empoderamento feminino, muito antes de se falar nisso.
Ela vivia com marcante bom humor. Sem deixar-se abater pelas inúmeras doenças que a acometeram ao longo da vida, carregava um sorriso no rosto, mesmo em meio às adversidades.
Nasceu na cidade mineira de Santa Bárbara e, não por coincidência, dos cinco irmãos que formavam sua família, os três homens, Raimundo, Emílio e José, tinham por sobrenome o mesmo nome de sua cidade; só ela e a caçulinha Adelaide ou Liquinha, como era chamada, é que não.
Maria da Conceição teve uma infância simples e sem luxos, mas digna. Todas as suas necessidades eram atendidas pelo pai, que faleceu quando ela tinha entre 15 e 16 anos. Casou-se em 1958, antes de completar 18 anos, e o casal seguiu imediatamente para São Paulo — "com uma mão na frente e outra atrás”, como diz a filha Leila. Assim, ela só veio a conhecer uma televisão em sua lua de mel, assistindo a um jogo do Brasil na Copa do Mundo daquele mesmo ano.
Viveu com o marido uma união que durou até a morte dele, em 2013. Enfrentou como uma guerreira sua doença de Alzheimer, assumindo a tarefa de cuidar dele, sem admitir a possibilidade de interná-lo numa casa de repouso. Juntos tiveram os filhos Lana, Landes, Leila e Lúcio, todos nascidos de parto normal na mesma cama e no mesmo quarto da casa de sua mãe, em Piracicaba, e assistidos pela mesma parteira. Enfrentaram dificuldades, que foram sendo vencidas e não impediram que eles oferecessem conforto para os filhos, nem que se mantivessem presentes na vida de todos eles — mas sem interferir em suas vidas de casados.
Ela foi uma avó muito generosa, atenta, presente, amorosa, preocupada. Seus netos a amavam muito e todos sofrem com sua ausência. Sempre vivendo para cuidar da casa e da família, nunca desenvolveu uma atividade profissional remunerada. Estava sempre pronta a ir para o fogão, fazer uma comidinha gostosa, preparar um bolo caprichado ou passar um café fresquinho. Seu pudim de leite era o melhor de todo o universo e o seu frango com quiabo e polenta tornaram-se inesquecíveis.
Com sua maneira dedicada de ser, fazia tudo com amor, bom humor e uma fé inabalável em Deus e em Nossa Senhora Aparecida! Ela era o chão, o GPS e a bússola da filha Leila e de muitas outras mulheres. No tempo em que poucas pessoas dispunham de telefone em casa e que era complicado chegar socorro rápido, ela ajudava vizinhas em trabalho de parto ou as acompanhava de ônibus até um local onde pudessem ser socorridas.
Leila relata: “No bairro em que ela morou durante mais de duas décadas, ela era como uma 'pós-parteira', que cuidava dos cortes das cesarianas até cicatrizar; cuidava dos recém-nascidos dando-lhes seus primeiros banhos até lhes caírem os umbigos; curava o 'sapinho' na boquinha dos bebês; utilizava chás e banhos para tratar amarelão e icterícia”.
E Leila continua: “Era ela quem furava as orelhas das bebês que, às vezes, mal choravam ou nem acordavam. Nunca cobrou um tostão por isso e também nunca teve um corte de cesárea ou uma orelha infeccionada, nunca teve um bebê em que o umbigo 'estufasse', nunca teve um caso de brinco torto em relação ao da outra orelha. E ficava muito emocionada ao falar sobre mães que tiveram suas orelhas furadas por ela quando bebês e que depois levavam as suas próprias para ela fazer o mesmo".
Recordando-se da forma como Maria da Conceição se comportava diante dos que dela necessitavam, Leila relata: “Lembrando da relação de minha mãe com as vizinhas, tenho dito que elas inauguraram, lá atrás, muito antes de virar moda, o empoderamento! Elas formavam uma rede de apoio que me enche de orgulho ao lembrar! Juntas — e, claro, com o auxílio de várias outras pessoas — batalharam e ergueram a Capela Nossa Senhora Aparecida, do bairro onde moravam, na mesma rua em que residiam".
Leila conta que aprendeu com sua mãe a amar sem distinção e a fazer o bem sem se preocupar com reciprocidade. Aprendeu a doação pelo exemplo, tanto do pai como da mãe, que eram sempre muito prestativos e disponíveis para com todos: “Meus pais sempre foram muito generosos... E digo isso com muito orgulho, pelas pessoas que eles eram”.
De forma equilibrada, sua vida não era só assistência aos outros. Ela tinha seus prazeres, que foram se modificando com o passar do tempo. Quando mais nova, contava com um grupo de amigas e faziam várias atividades juntas: caminhada, academia, pequenas comemorações, piqueniques, atividades na Igreja, grupo de casais, Ministério da Eucaristia e Encontros de Renovação ou de Casais.
Nos últimos anos as atividades foram se reduzindo a idas à Igreja, missas e terços; e ver televisão, uma diversão que ela amava. Com sabedoria e espírito seletivo, descartava programas apelativos e violentos, e assistia à maioria das edições de "Malhação” e todas as novelinhas mexicanas que pudesse.
Leila se recorda com amor dos incontáveis momentos bons e muito felizes que viveu ao lado de sua mãe e ressalta a falta que faz o sorriso dela, dizendo: “Vi tantas pessoas além da nossa família chorando sua morte por tantas semanas... Pessoas de fora e que sofreram este luto como nós”.
Maria da Conceição, uma vida a ser lembrada e reverenciada pelo Bem que praticou!
Maria nasceu em Santa Bárbara (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Maria, Leila Aparecida Torres. Este tributo foi apurado por Rafaella Moura Teixeira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 22 de novembro de 2021.