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Maria da Glória Oliveira da Cruz

1940 - 2020

Sempre falava para nós, mulheres, que dinheiro bom era o dinheiro nosso. Empoderadora!

Dona Glória!

Ser mulher e negra na pequena Juiz de Fora nunca foi fácil.
Sem pai desde os 5 anos, ela não foi à escola porque passou a infância trabalhando como doméstica. Diante deste cenário, para tentar uma vida melhor, foi levada para o Rio de Janeiro pela mãe, que precisou deixar a outra filha com a madrinha.

Foram direto morar em uma favela na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e foi nesse lugar que ela conheceu o homem com quem viria a se casar.

Ao contrário do que ela imaginava, a sua vida foi de muita violência doméstica e humilhações constantes pelo marido.

Eu a conheci em 1980, quando namorei um de seus filhos, de quem acabei engravidando. Apesar dela não prever um futuro bom nisso, chegando até a praguejar o filho, quando olhou para a Elisa ao nascer, disse: "Essa vai ter o destino diferente do meu!". E teve mesmo!

Mesmo com seu jeito rude e apesar de sermos muito diferentes, me ensinou a costurar e a cozinhar, e principalmente, teve o cuidado de me alertar para não deixar que fizessem comigo o que fizeram com ela. Foi uma mulher rude, fria. Não chorava e pouco sorria. As profundas feridas na alma lhe tiraram qualquer perspectiva de afeto ou empatia.

Ela sempre vinha nos visitar aqui em Brasília (DF), onde moro com a Elisa e meu novo marido, a quem ela adora, e sempre saímos para passear juntas.

Com a dor imensa de não ter sido acolhida em sua infância e mocidade - época que as sementes do amor brotam em nossas vidas - e com a vida oprimida por toda sorte de preconceitos e falsas promessas de felicidade, ela partiu sem que pudesse experimentar um mundo onde a liberdade é direito de todo ser humano.

Maria nasceu Juiz de Fora (MG) e faleceu Rio de Janeiro (RJ), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

História revisada por Alessandra Capella Dias, a partir do testemunho enviado por nora Marcia Helena de Mello Costa, em 21 de maio de 2020.