1953 - 2020
Ao final das festas de família todo mundo já sabia: Fátima tinha de levar "uma quentinha" de quitutes para casa.
A vida de Maria de Fátima, mais conhecida como Fafá, foi povoada de momentos inesquecíveis e de muitas facetas. No campo profissional e familiar foi uma presença marcante que, com seu jeito tranquilo, ganhava a confiança, admiração de todos que a conheciam agindo conforme os seus princípios e valores.
Começando pela dimensão profissional, Maria de Fátima era uma dedicada Professora da Rede Estadual de Ensino e da Escolinha Santa Mônica, a primeira Escolinha Particular de Teresina (PI). Na Escolinha, trabalhava juntamente com a fundadora da instituição a tia Jesus Santana e a irmã e também Professora Maria das Graças, a Gracinha. Apaixonada por crianças, atuou nas séries iniciais do Ensino Básico e Fundamental participando da educação de muitos Teresinenses.
Corriqueiramente, encontrava-se com ex-alunos da Escolinha. O mais interessante é que, com uma memória invejável, reconhecia todos e os chamava pelo nome. Era capaz ainda de lembrar-se de fatos e narrar situações particulares associadas a cada um dos que encontrava.
Outro fato peculiar é que, como uma das irmãs mais velhas, ela foi professora de irmãos, primos e sobrinhos. Todos da família estudaram na Escolinha Santa Mônica assim, de certa forma, todos puderam aprender com ela habilidades e conhecimentos que levam pela vida.
Membro de uma família numerosa espalhada pelos interiores do Piauí, Fafá era irmã de uma trupe de sete irmãos, filhos de Francisco Oliveira, o senhor Chico e Maria Isa Santana. Ela e a mãe eram companheiras inseparáveis nas viagens a José de Freitas, Barras, Campo Maior, todas no interior piauiense. Também para São Luís e São José do Ribamar no Maranhão onde vivem muitos amigos e parentes da Família Santana.
O mesmo acontecia com as viagens e passeios com as tias Sofia e Jesus, pois era uma espécie de cicerone dos mais idosos da família. Para onde precisassem ir, sabiam que podiam contar com ela, que as conduzia feliz e de bom grado.
Com sua mãe, dona Isa, Fafá aprendeu a costurar. Cotidianamente, acompanhava o trabalho da mãe, costureira de roupas finas, no seu ateliê. Esse ofício, fazia com perfeição.
Senhor Francisco, que nunca deixou faltar nada para Fátima e os seis irmãos, era bastante rigoroso na educação de todos. Na adolescência, ela e os irmãos tiveram na casa da tia Sofia um refúgio para escapar dos rigores do pai. Era para lá que todos costumavam ir com seus “paqueras” e namorados(as). Como a tia produzia doces, salgados e bolos confeitados, enquanto estavam por lá os adolescentes acabavam ajudando na preparação dos bolos e no que mais fosse necessário. Contudo, como Fátima nunca foi muito afeita aos afazeres domésticos, não aprendeu os segredos da arte culinária.
Os cuidados com a casa ficavam a cargo do esposo Nilson, companheiro de jornada e de vida durante 30 anos dela. Como não era muito chegada as prendas domésticas, era ele quem cuidava de muita coisa em casa. Muito tranquilos, os dois tiveram uma convivência harmoniosa e a casa deles sempre estava de portas abertas para os encontros familiares. O churrasco inigualável preparado por Nilson aos sábados era muito apreciado por Fafá e quem por lá chegasse.
Do amor e da persistência dos dois, nasceu Isadora, filha única do casal. Antes do seu nascimento, Fafá teve uma gestação molar e dois abortos. Entretanto como o sonho de sua vida era ter um filho, o casal persistiu e quando ela já estava com 43 anos veio Isadora. Durante a gravidez muito esperada, foi preciso controlar a ansiedade e seguir as orientações rigorosas de Valadares, amigo de adolescência e obstetra.
Em meio ao carinho mútuo, Fafá acompanhou o crescimento da filha muito de perto. Numa felicidade e disposição enormes levava Isadora para a escola, aulas de reforço, festas e onde mais precisasse, estava sempre presente na vida dela.
Quando Isadora engravidou em 2019, Fafá, muito empolgada, começou a comprar e preparar o enxoval da netinha que em breve chegaria. Nesse período, usando o que aprendera com a mãe Isa, ela produziu algumas peças. Foi num momento em que Fafá costurava as fraldinhas para a netinha Maria Isis, que sua irmã Conceição, a Conchita, percebeu que Fafá não estava bem. A levou ao hospital para realizar alguns exames.
Infelizmente, Fafá não pode conhecer a netinha, que nasceu um dia antes de seu falecimento. A prima Lina conta que “parecia que ela estava só esperando a neta nascer bem e saudável para que pudesse partir tranquila.”
Muito católica, a família de Maria de Fátima mantinha a tradição de se reunir em muitas ocasiões, mas principalmente para homenagear Nossa Senhora Aparecida e o Natal. Nos meses que antecediam o Natal, Fátima cuidava de organizar o “amigo oculto”, a decoração da casa dos pais, tias, irmãos e da sobrinha Juliana que era como uma filha. O mais curioso é que embora cuidasse de decorar todas essas casas, Fafá não fazia o mesmo com a dela, pois o trabalho de enfeitar a árvore de Natal ficava a cargo do marido Nilson, que fazia isso com prazer.
O Natal era a festa favorita de Fafá, que era praticamente a coordenadora do evento da família. Contudo o que ela gostava mesmo era de saborear com enorme prazer os quitutes da Ceia. Ao final, preparava seus pratinhos, as “quentinhas” para levar um pouco mais das guloseimas para casa e até para os vizinhos. O hábito era tão frequente que com a aproximação do final das festas todos já esperavam que ela fizesse isso e, se não o fizesse, não seria a Fafá que todos conheciam.
Maria de Fátima era dona de um sorriso que iluminava de tão farto, sereno e belo. A prima Lina diz que a memória dela está muito associada a uma festa familiar com uma mesa farta e a paisagem dos interiores com muitos campos, árvores, como numa viagem que fizeram a Barras (PI) com o tio Paulo.
Fafá segue viva nas lembranças e celebrações da família como o Natal, no enxoval dos sobrinhos e da neta Maria Isis que, certamente, será guardado com todo cuidado. Permanece o sentimento de que Fafá só foi ali dar uma voltinha e que a qualquer hora estará de volta.
Maria nasceu em Teresina (PI) e faleceu em Teresina (PI), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela prima de Maria, Lina Maria Santana Fernandes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 6 de dezembro de 2021.