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Maria de Lourdes Rodrigues dos Santos

1956 - 2021

Chegou a hospedar sete pessoas de uma só vez em sua casa, a fim de oferecer suporte para que vencessem suas dificuldades.

Muita gente passou pela vida de Maria de Lourdes. E vice-versa. Sua casa e coração não cobravam hospedagem nem pedágio, acolhia e ajudava a quem estivesse com alguma limitação ou dificuldade. “Chegamos a ter sete pessoas de uma vez em casa; muitos vinham do interior em dificuldades”, relembra a primogênita Edslangela.

Maria de Lourdes, era a caçula de sete irmãos. Seus pai era pescador e sua mãe costureira, Lourdes inspirou-se nos pais e deixou fluir todas as suas habilidades. Na cozinha dominava pratos básicos e sofisticados, sua especialidade era preparar os peixes amazônicos. Fazia tudo sem medidas ou receitas, “Minha mãe era alegre, gostava de encher todo mundo de comida" conta Edslangela, que ao relembrar das caldeiradas ficou com água na boca. “Ela também tinha uma receita própria, deliciosa, de molho madeira”, afirma a filha.

Casou-se jovem, aos 16 anos, e foi agraciada com a chegada precoce de Edslangela, Erlon, Elizandra e de Rosiane. Mãe dedicada, usada seus dons culinários para auxiliar a pagar os estudos dos filhos, da educação básica até a faculdade: vendia bolos, tortas e salgados. Vivia feliz pelas suas conquistas e realizações. Ela somente se abateu com a perda prematura da filha Rosiane. “Minha mãe gostava de cuidar, dar dignidade para os outros, largou muitos ‘órfãos’ por aqui e hoje está lá com a sua preferida”, emociona-se Edslangela. Foi uma avó muito cuidadosa, fez questão de se envolver na criação dos cinco netos. Luana, inspirada na avó, formou-se em Serviço Social. Mateus, era o neto mais apegado, o companheiro de viagens e aventuras. E os amados, Letícia, Edson e Kauã eram apaixonados pela avó.

As habilidades na cozinha e o bom gosto, deram a ela o posto de capitã da cozinha em um buffet de festas montado pela família. Maria ficou oito anos com esse ofício, como tudo na vida, fez cada prato com muito amor e esmero. “Ela sabia administrar, elaborava cardápios para 200, 300 convidados. Tinha senso de organização, desde a compra dos ingredientes até a finalização dos pratos" recorda a filha. No Natal, o negócio familiar dedicava-se ao preparo e entrega de ceias prontas para facilitar a celebração de muitas famílias da região.

Após o divórcio e com os filhos adultos, atuou com mais diligência com o que pulsava em seu coração: ajudar o próximo. Além de abrir as portas da casa para acolher os que precisassem passou a atuar junto a programas de televisão e no meio político articulando soluções para casos de indivíduos com necessidades sociais e financeiras. Era gente em busca de emprego, casa, e até tratamento de saúde. Tudo o que fazia era com amor e por pura empatia, contar quantos ajudou era como tentar contar as estrelas em uma noite estrelada.

Com o tempo, a manauara tornou-se gerente do SOS Funeral de Manaus, onde atuou por dois anos revolucionando o formato dos funerais públicos, seu objetivo era claro: dar mais dignidade aos mortos. Ela acreditava que todos mereciam um velório respeitoso e de excelência, humanizou os serviços para a população carente de Manaus. A chegada da pandemia, afastou Lourdes da sua atuação presencial, mas não roubou dela a oportunidade de continuar ajudando as pessoas. Ela comprava tecidos e costurava em casa diversas peças: máscaras, gorros e aventais para os profissionais de sua equipe que estavam ali na linha de frente.

As ações de Lourdes e o papel desenvolvido em Manaus não passou despercebido pela imprensa e, infelizmente, nem pelo vírus de Covid-19. Assim como trouxe dignidade a muitos conterrâneos que se despediram primeiro que ela dos seus amores e amigos, Maria Lourdes foi intensamente homenageada pelos funcionários do SOS Funeral. Em memória, seus filhos atuam como voluntários nos mutirões de vacinação no interior do Amazonas, “ela possuía o desejo de se vacinar e esperava por isso" conclui a filha.

Maria nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Edslangela Rodrigues dos Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Claiane Lamperth e moderado por Ana Macarini em 15 de fevereiro de 2022.