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Maria de Paula Borges

1936 - 2020

Amava seu quintal com roseiras e orquídeas. Mas o que mais gostava era da casa cheia, com a família reunida.

Carta escrita pela neta Luciana em homenagem à avó Maria:

“Nós somos porque você foi.

Maria nasceu em um sítio, no interior de Minas Gerais. Como é a história de muitos neste país, não teve uma infância ou juventude fáceis. Logo cedo teve que se acostumar a trabalhar na lida da roça. Ali já aprendeu a ser forte e a enfrentar as dificuldades.

Em sua juventude, se casou com Eurípedes, iniciando a família que seria a coisa mais importante e que mais amou em sua vida. Foram cinco filhos criados em tempos difíceis, com simplicidade, mas sem faltar carinho e afeto. O sexto filho veio junto com a primeira neta, com uma semana de diferença, o que fez o amor multiplicar na família. Ela tinha um coração tão grande e bondoso que distribuía seu amor e carinho também com seus primos, sobrinho e cunhados.

Em meados da década de oitenta, Maria passou por um período difícil com a perda de pessoas muito amadas por ela. Perdeu seu pai e, algum tempo depois, seu esposo. Mais tarde, perdeu seu filho mais velho, Zezé.

A vida exigiu que Maria fosse ainda mais forte do que já vinha sendo em sua trajetória. Com um filho pequeno, teve que aprender a ser mãe solo, o que não foi fácil. Mas, amorosamente, conseguiu criar o caçula da melhor forma que podia.

Maria adorava seu quintal, suas roseiras e orquídeas. Contudo, o que ela realmente amava era a casa cheia, a família reunida. A sua casa sempre foi ponto de encontro da família, onde crianças brincavam, corriam ou jogavam futebol no corredor da garagem e disputavam campeonatos de vídeo game. Ela ficava de olho, pronta para dar bronca se precisasse. Porém, preferia dar colo, abraços e conselhos para seus netos.

Comida pronta. Mesa cheia. Uns terão que comer no sofá. ‘O que tem para almoço? Molho de frango caipira? Lasanha? Carne de porco? A sobremesa será torta de abacaxi, claro’.

Os netos cresceram, muitos se mudaram, alguns até de país, mas o laço de afeto que sempre manteve a família unida foi o amor por ela. Seja pelo telefone ou pessoalmente, a bronca sempre vinha: ‘Lembrou que sua mãe/avó existe, né?’

Vieram os vários bisnetos e também duas netinhas caçulas. A casa da Dona Vó, como alguns netos a chamavam, estava repleta de crianças novamente. E ela sempre enchendo de amor a vida de todos à sua volta.

Essa pessoa tão afetuosa, amorosa, correta e forte nos deixou. Mas ela só se foi fisicamente, porque deixou para todos que a conheceram lições importantíssimas que jamais serão esquecidas.

Aprendi, há uns anos, com uma pessoa muito especial e que também já se foi, uma frase da filosofia africana Ubuntu: “Eu sou porque nós somos”. Hoje, mais do que nunca, eu entendo essa frase. Falo aqui, em nome de todos que te amam, que nós só somos porque você foi e nos ensinou a sermos: fortes, generosos, afetuosos, solidários, a praticar o amor, a distribuir afeto e carinho.

Vá em paz, com a certeza de que o seu legado são os bons sentimentos que você nos ensinou.”

Maria nasceu em Sacramento (MG) e faleceu em Uberlândia (MG), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Luciana de Paula Guedes. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Renata Meffe, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Rayane Urani em 19 de março de 2021.