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Maria Dulce da Silva

1957 - 2020

Sua maior alegria na infância era aguardar pelos pães de banha que o pai trazia da feira todos os domingos.

Nordestina aguerrida, vinda do interior da Paraíba, caçula de três filhas, Dulce cresceu com seus pais e irmãs na cidade de Dona Inês. Apesar de dificuldades financeiras e de estudo, seu sonho era grande, ser uma juíza.

Em sua infância, brincava com bonecas feitas do sabugo do milho. Esperava ansiosa aos domingos, quando seu pai ia à cidade e retornava com seu pão favorito, como descreve sua filha: “Dia de domingo meu avô ia para a cidade e trazia o pão de banha, ela o esperava na janela só por causa desse pão.”

Impulsionada por sonhos e em busca de trabalho, Dulce mudou-se para São Paulo aos vinte e dois anos, acompanhada de sua irmã. Não conheciam ninguém, iniciou trabalhando como Empregada Doméstica, tratando dos afazeres da casa, como cozinha, limpeza e em alguns casos, cuidava dos filhos dos empregadores. Experiências que se dividiram em momentos bons e difíceis.

Das boas experiências, sua filha recorda que ela compartilhou sobre o trabalho na casa de um senhor, médico, em que por mais de oito anos, ela pôde ajudar na criação dos três filhos dele, participando da rotina da família e criando um vínculo especial com todos.

Aos cinquenta e cinco anos veio a aposentadoria, pois descobriu um adoecimento em seus braços, que os deixava sem força. Após algum tempo, realizou cursos de artesanato e costura e com isso, personalizava roupas de bonecas e as suas próprias. A filha ganhava muitas bonecas e a mãe era a responsável por vesti-las. “Cuidava como se fosse delas”, cita. E realmente, Dulce ficou com elas após o crescimento da filha, depois passou aos cuidados da neta.

Como distração, tinha a costura e a customização de suas roupas, como lembra sua filha: “Ela fazia com bordados e strass. Os vestidos ela transformava em blusas e saias e amava colocar rendas.” Utilizava de sua criatividade para aperfeiçoar a atividade. Dividia seu tempo livre em assistir à novelas, programas de televisão e visitar suas amigas.

Também com uma pitada de criatividade, escolheu o nome dos dois filhos. Derrick era um personagem de um filme e Darrennick relembra a origem do seu: “O meu, bom... ela queria um nome parecido com o do meu irmão, então ficou escrevendo e reescrevendo a gestação inteira. Já com nove meses uniu o Darren com Nick e achou que ficou boa a combinação...”

Cuidar era uma de suas especialidades, esteve com seu esposo, Gama, enquanto estava acamado após uma série de derrames e infartos. Após o falecimento dele, ela enfrentou outros desafios na vida, com seus filhos, ao assumir as responsabilidades da casa e lidar com as finanças, sem perder a união, o amor e a alegria. “Existiam muitas dificuldades, entretanto o mais importante não faltou, alimento e educação”, relembra Darrennick.

Observou seus filhos bem, felizes e esteve na companhia de seus dois cachorrinhos: a Belinha e o Pop, que eram um dos maiores prazeres da vida dela, que a deixavam extremamente feliz. Realizou seu sonho de acompanhar a formatura dos filhos, vê-los construindo família e receber a Lorena, sua neta tão amada. “Ela queria muito ser avó, pulou de alegria quando soube”, cita sua filha.

Carismática, com um riso contagiante, forte e singular, via alegria nas piadas contadas pela filha, em vídeos engraçados e filtros de redes sociais. Sua risada, com todas essas qualidades, era sua principal característica. Demonstrava seu amor através de gestos, como lembra de forma saudosa, Darrennick: “Lembro do dia em que fui fazer a prova prática da minha Carteira Nacional de Habilitação e estava com muito medo de ser reprovada. Ela como uma boa devota de Nossa Senhora de Fátima não parou de rezar de joelhos até o momento em que eu ligasse dizendo sobre minha aprovação”.

Abraço não era o estilo de carinho que mais gostava, contudo uma boa companhia era muito apreciada. Priorizava muito o cuidado com ela mesma, optando por cremes de rosto, batom de cor nude, óleos e cremes corporais que se assemelhavam ao cheiro de rosas. “Por onde passasse, todos elogiavam o cheiro que deixava pelo caminho e não ia à padaria sem passar um batom”.

Apreciava fazer uma boa comida, sabia fazer um pouco de tudo, mas o bacalhau de forno que preparava foi digno de ter sua marca registrada, toda a vizinhança e familiares conheciam e aprovavam. Uma receita incrementada por ingredientes que proporcionavam um sabor diferenciado. Era o prato principal das reuniões familiares da Sexta-feira Santa e do Reveillon. Mesmo depois, com os problemas de saúde, ainda auxiliava na elaboração desses pratos.

Apesar de ser introvertida, não abria mão de comemorar seu aniversário com a casa cheia, esta era uma das principais datas em que ela gostava de reunir familiares e amigos. Nas demais datas, ela preferia ficar em casa com sua filha e genro.

Gostava ainda de viajar para São Roque e aproveitar para adquirir os vinhos, que tanto apreciava, degustar queijos e passear pela Cidade. Dulce incessantemente teve um gosto especial por vinhos.

Sua filha finaliza a homenagem ressaltando a mãe incrível que tivera: “Maravilhosa, do jeitinho dela, minha melhor amiga, minha confidente, meu tudo”. Danrrenick ainda deixa um recado: “Eu quero falar às pessoas que ainda tem a honra, o prazer e o privilégio de ter a sua mãe por perto, aproveite cada instante, cada segundo perto, demonstre o seu amor, seus sentimentos e não tenha vergonha. Porque, infelizmente, as nossas mães não são eternas. Ninguém sabe o dia de amanhã”.

Maria nasceu em Dona Inês (PB) e faleceu em São Paulo (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Maria, Darrennick Firmino da Gama. Este tributo foi apurado por Marina Gabriely, editado por Hortência Maia Silveira, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 30 de março de 2022.