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Maria Elena Marques de Oliveira

1956 - 2020

Amava fazer compras, principalmente se encontrasse alguma oferta. Sua maior riqueza foi seu grande coração.

A mineira Maria Elena, Tilena para os sobrinhos, nasceu em Fama, mas foi criada na cidade vizinha de Alfenas, numa família de seis irmãos. Costureira de mão-cheia, viveu solteira até seus 39 anos quando, numa viagem de compras para São Paulo, conheceu Carlos Roberto.

Foi amor à primeira vista e ela não teve dúvida: largou o emprego e deixou familiares e amigos para ir morar na capital paulista. Em São Paulo, o casal iniciou a vida morando de aluguel antes de construir a própria casa e, como ela não pôde ter filhos, um casal de irmãos já com 6 e 7 anos foi adotado por eles. "Assim formamos nossa família e nos casamos no civil e religioso", relata Carlos Roberto.

"Ela era pura felicidade ao entrar na igreja vestida de noiva e acompanhada do pai a caminho do altar. Eu não me continha de felicidade também, de consideração e respeito por ela. Ao longo dos anos, fui planejando viagens após viagens por várias partes do mundo. Fomos para Argentina, Uruguai, Jamaica, Miami, México, Costa Rica, Cuba, Itália, Espanha, França, Dubai, Abu Dhabi e várias cidades do Japão. Toda vez eu agendava uma viagem e adorava vê-la surpresa e feliz, então nunca dizia para onde íamos, ela somente sabia qual era o destino no balcão do aeroporto ou no check-in de navios", conta o marido.

"A primeira vez que viajamos em um navio, fizemos um cruzeiro até a Argentina. Ela nunca tinha visto tanta comida diferente e de graça, todos dias levantava bem cedo, corria para o restaurante e quando eu chegava, a mesa estava repleta de comida. Eu perguntava em tom de brincadeira se ela havia passado fome quando criança, pois não era possível comer tanto. Conclusão: engordou oito quilos naquela viagem", lembra Carlos Roberto.

Elena gostava muito de ir a lojas, feiras de artesanatos, comprar saldos e pechinchar. Comprava retalhos e fazia lençóis e fronhas, roupas para sua cachorrinha de estimação, a Aisha, e sempre levava para o marido uma peça nova de roupa. Ficava feliz ao ver suas economias renderem, seu contentamento era conseguir comprar bastante com pouco dinheiro.

Ela não falava um “A” em outra língua, mas mesmo assim conseguia entrar nas lojas e sair sempre com alguma comprinha. "Uma vez, em Madri, ela encontrou uma promoção do tipo 'leve 3 e pague 1', mas não conseguiu compreender. Então, foi até a minha direção, na saída da loja, acompanhada da vendedora, que tentava explicar que por aquele valor ela poderia levar três peças. Foi difícil convencer a Elena e fazer com que entendesse aquela promoção em outra língua", relembra o marido.

Cuidava da casa muito bem, ficava sempre um brinco, tinha demasiada preocupação quando sabia que receberia visitas. Um de seus hobbies era cuidar de plantas, principalmente orquídeas, ficava trocando de vasos. Quando floresciam, ela ficava muito feliz, fotografava e enviava para todo mundo para que vissem como eram belas essas obras de Deus.

Como ela não podia ver filas ─ pois sempre achava que era promoção ou brindes ─, quando ia em feiras e exposições, sempre voltava com muitas sacolas, bonés, chaveiros e aproveitava muitas degustações. "Um dia ela entrou numa farmácia em São Simão-MG e viu uns cinco jarros com torneiras e uns copos plásticos, não teve dúvidas, encheu um copinho e antes que o dono da farmácia visse, ela virou goela abaixo, era perfume. Imagina a Elena saindo correndo para a porta da farmácia e cuspindo sem parar", relembra o marido.

Outra diversão de Elena era passar trotes nos familiares. Vira e mexe ela pegava o telefone, mudava a voz e ligava para as irmãs e para a mãe passando-se, por exemplo, por funcionária da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) e informava que a energia elétrica seria desligada no imóvel. Elas sempre acreditavam e Elena desligava o telefone e rolava no chão, de tanto rir do trote que acabara de passar.

"Vivi com essa mulher a quem eu chamava de 'meu anjinho da guarda', pois cuidava de mim como ninguém, depois que a conheci vivia em paz e com tranquilidade, pude crescer com ela na retaguarda e dizendo 'vai que eu estou aqui para guardar a nossa casa'. Era honesta, trabalhadora, esforçada, inteligente e criativa. Também a chamava de 'minha formiguinha', pois tinha somente 1,55 m de altura e fazia coisas aqui em casa que eu não acreditava. Virava sozinha um colchão enorme; tirava as cortinas, lavava e recolocava numa parede de cinco metros de altura. Eu não gostava, pois dizia a ela que era muito perigoso, mas ela não tinha jeito", conta o marido.

Excelente costureira, Elena nunca ficou sem emprego, sempre era convidada para um serviço. Quando participava de algum teste era admitida imediatamente.

Muito preocupada com toda a família, ficava sempre atenta para defender os seus. Tornava-se inimiga de quem cometia alguma injustiça com um deles.

Elena conheceu muitos lugares e em vida revelou ter encontrado a felicidade. Sempre perguntava se iria viajar mais com o marido, ele afirmava que ainda tinham muitos lugares para conhecer. No entanto, ela partiu para sua última viagem, sem planejamento e sem aviso. "Tenho a Maria Elena como um anjo que Deus colocou em minha vida para que eu conhecesse como é viver com um anjo. De tão pura que era, acredito que Deus precisou dela para auxiliá-lo nos céus neste momento de grande turbilhão de vidas partindo", comenta o marido.

Maria nasceu em Fama (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo esposo de Maria, Carlos Roberto Ibanez de Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Francyne Nunes e moderado por Rayane Urani em 13 de março de 2021.