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Maria Floripes do Nascimento Ventura

1944 - 2020

Benzedeira renomada, fez da fé o alívio para os males do corpo e da alma de quem batesse à sua porta.

“Dona Maria, benzedeira”. A alcunha a acompanhou por uma vida inteira e a identificava pelo boca a boca da própria vizinhança. Quem chegasse no seu portão, no bairro Universitário da capital goiana, e pedisse uma reza para as mais variadas queixas, era atendido com todo o afeto que dona Maria dedicava a conhecidos e desconhecidos no seu cantinho de orações, no fundo do quintal. Não importava se era um mal-estar físico ou um sofrimento do coração: dona Maria se concentrava na sua mais pura fé, invocando os santos católicos, e buscava amenizar as dores alheias com a mente e o peito plenos de bondade, sem pedir nada em troca. Em aproximadamente cinquenta anos de atividade, milhares de pessoas de vários cantos dentro e fora do Brasil bateram à sua porta em busca das orações e bênçãos para se livrar dos muitos incômodos. A notoriedade de dona Maria lhe rendeu participação em matérias de jornal e documentário sobre o patrimônio cultural das benzedeiras brasileiras, conforme descreve a neta Acsa Caroline. Foi reconhecida ainda pelo projeto “Caçadores de bons exemplos”, com direito a matéria especial e tudo.

Segundo a própria dona Maria, ela havia recebido o ofício da mãe, também rezadeira, assim que nasceu. Com a perda da mãe e ainda jovem, assumiu também a responsabilidade de cuidar de sua irmã e, como empregada doméstica, ganhou o sustento para construir a própria família. Fez crescer as filhas Dalva e Vera, até que o destino inverteu a ordem natural da vida e levou a mais velha, Dalva, precocemente. O baque foi tão grande que dona Maria pôs na sua devoção o conforto para a dor da perda. Os cinco netos que ajudou a criar, por sua vez, foram para ela motivo de alegria.

Dedicava-se a cozinhar para a pequena família nos almoços de domingo, atividade que exercia com grande prazer. Seus pratos preferidos eram o frango caipira com angu e o feijão tropeiro, feitos por ela mesma e acompanhados por uma água tônica para refrescar a garganta.

“Minha vozinha era uma pessoa muito simples”, descreve Acsa Caroline com carinho. Vira e mexe ganhava agrados e ingredientes para suas receitas, trazidos de algum sítio. Também era cheia de amigos e costumava ser uma convidada de honra em batizados, aniversários, casamentos e eventos. De jeito extrovertido e bem-humorado, "gargalhava gostosamente", como lembra a neta.

Não tinha por hábito frequentar assiduamente a igreja; mas, fervorosa no catolicismo, não perdeu a primeira oportunidade que teve para viajar de excursão com as companheiras da terceira idade e conhecer a Catedral Basílica de Nossa Senhora Aparecida, no interior paulista.

Impossível esquecer suas rezas, que sempre terminavam na frase: “É Deus quem põe a cura!”

Era forte para conduzir a vida, mas leve no espírito e no coração!

Maria nasceu em Goiânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Maria, Acsa Caroline da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 10 de agosto de 2021.