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Maria José dos Santos

1960 - 2020

A melhor amiga, companheira de vida e porto seguro da filha.

O dia não começava se 'Mazé' não preparasse o café da manhã para ela e para a filha Paloma. Embora ela detestasse cozinhar, todas as manhãs o café estava à mesa com uma boa pitada de muito amor. Tampouco terminava sem que essa mãe carinhosa esperasse Paloma voltar tarde da faculdade e – com o passar dos anos – também do trabalho. Juntas, elas tomavam o chazinho acompanhado de inúmeras risadas antes de se deitarem.

E esse zelo esteve presente não só com a caçula, mas também com as filhas mais velhas, Priscila e Patrícia. Além, é claro, das netas: Maria Luiza, Amanda e Clara. Na verdade, a família inteira era o grande amor de Mazé. Tinha doze irmãos e, mesmo sendo uma das mais novas, a “mana” – como era apelidada carinhosamente por eles – tinha papel fundamental em suas vidas.

Paloma conta que muitos tinham ela como uma mãe; ela abraçava as pessoas, cuidava de todos. “Nivaldo, o irmão mais novo dela e a quem ela era mais apegada, costuma dizer que a partida da minha mãe doeu mais do que a partida da própria mãe dele”.

Mazé sempre quis ter um filho homem. “Infelizmente, não teve do próprio ventre, mas criou e amou os sobrinhos, em especial, Almir, Gabriel e Rafael, como se fossem seus próprios. Além disso, adotou os genros como filhos também”, lembra Paloma.

Mazé organizou o enxoval do tão esperado netinho Ravi, que estava por vir. “Minha mãe bordou todas as mantas e fraldas até o último momento em que esteve em casa conosco. Porém, quando ela se foi, Ravi – que estava com sete meses na barriga da minha irmã – também não ficou entre nós. Ele nasceu e, com dois dias, nos deixou por complicações cardíacas. Costumamos dizer que Ravi está nos braços da avó, a pessoa que melhor cuidaria dele”.

Conselheira, ela tinha o colo mais aconchegante do mundo e as palavras mais acalentadoras que poderiam ser ditas naquele exato momento. "Dizia que a gente nunca deve desistir antes de tentar, que devemos persistir. Na época da faculdade, ela sempre me acalmava falando ‘Dias melhores estão por vir’”, lembra Paloma. Os seus ensinamentos diários deixam aquela saudade amarga, mas a sensação de ter vivenciado lindos momentos prevalece.

Muito ativa, Mazé não dependia de ninguém pra nada, prezou a sua autonomia durante toda a vida e essa sempre foi a maior lição que transmitiu às filhas. “Ela sempre dizia que mulher tinha que ser independente.” Criou as três filhas sozinha a maior parte do tempo, proporcionou estudo para elas e esteve a todo momento as incentivando a não desistirem e a lutarem por seus objetivos.

A formatura de Paloma foi uma das últimas grandes alegrais que pôde vivenciar. “Hoje eu me sinto feliz de, antes dela partir, ter realizado esse sonho de ver a filha formada. No dia que eu me formei ela disse: ‘Minha filha, se hoje eu morrer, eu morro feliz, porque eu te vi realizando o meu sonho”, relata Paloma.

Mazé não era muito de sair, preferia ficar em casa e reunir a família. Esse era seu programa favorito, desde que tudo estivesse em ordem. Para quem acha que 24 horas são poucas para um dia é porque não conheceu essa mulher forte. Paloma ainda não sabe “como ela conseguia organizar tudo em 24 horas”. Talvez esse fosse esse o grande segredo de Mazé. Depois de se aposentar, passava os dias cuidando da neta Malu e da casa.

Como tinha mania de limpeza, Maria José só dormia tranquilamente se a casa estivesse em ordem e ai de quem resolvesse bagunçar. “Ela tinha um TOC, tudo tinha que ser do jeito dela”, conta Paloma. Mandona do jeito que era, sua casa tinha que estar sempre limpíssima. “Enquanto estava fazendo as coisas na cozinha, ouvia o seu radinho”, conta Paloma.

Embora tivesse a personalidade muito forte, seu coração era repleto de generosidade. Ela ajudava quem quer que fosse e, se precisasse, dava o que ela tinha para os outros. Sua força de vontade, garra e determinação eram admiráveis. “Tudo que ela colocava como meta, conseguia cumprir. Até pra gente, parecia que as nossas forças estavam ali nela. O nosso porto seguro sempre foi ela.”

Assistia às novelas como se fossem vida real e vivia aproveitando cada momento com muita fé em Deus. Estava sempre com um sorriso estampado no rosto e tinha uma alegria contagiante. Ela não era muito emotiva, mas se havia uma canção que desarmava esse coração era “No dia em que eu saí de casa”, de Zezé Di Camargo e Luciano. As lágrimas não se continham e a emoção vinha à tona.

Mazé se mostrou forte até o último instante e a carta que Paloma escreveu a ela confortou seu coração e fez com que ela pudesse partir em paz, com a sensação de missão cumprida. As risadas, as conversas e as recordações de cada simples momento juntas estarão eternizadas nos corações daqueles que ficam.

Sua memória será lembrada e honrada em cada lembrança, agora ela só estará do outro lado. “Sempre lembro dela sorrindo, naquela alegria dela de sempre. Se eu tiver um filho, desejo ser para ele, pelo menos, metade do que minha mãe foi para mim.”

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Palavras da filha de Maria José, Patricia Santana: "Minha mãe é a pessoa mais iluminada e generosa que conheci. Sempre dedicada as netas, filhas e toda a família. Estava sempre disposta a ajudar quem fosse. Mulher guerreira que nunca ficou na cama após o sol raiar. Mulher batalhadora que criou as três filhas e três netas com muita fé e carinho. Nunca vou esquecer da sua sua luta, do seu legado: ajudar ao próximo com todo coração".

Maria nasceu em Capela (SE) e faleceu em Salvador (BA), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas filhas de Maria, Paloma Santos da Silva e Patricia Santana. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Allanis Carolina e moderado por Rayane Urani em 26 de dezembro de 2020.