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Maria Margarida Vieira de Araújo

1929 - 2021

A porta de Dona Guida estava sempre aberta para acolher as novas gerações.

Dona Guida, era como todos a chamavam. Ela, mãe de Rita - que é esposa do meu irmão, Roberto - era uma mulher produtiva. Viúva, farmacêutica, continuou a educar seus seis filhos sozinha enquanto, por décadas, trabalhava em um grande hospital que trata de pessoas com câncer.

Solícita, Dona Guida não tinha o famoso desconfiômetro, o que faz com que a gente chegue à conclusão de que ajudou a quem não merecia. Ajudava animadamente, mesmo aqueles para quem ela parecia ser insignificante. Esteve sempre a promover a empatia. Procurava acolher as novas gerações, por mais que a dinâmica das questões que chegassem a ela não lhe fosse familiar.

Eu tinha 9 anos quando a conheci. Amava atender o telefone a disco que havia na casa dela, pois a minha não tinha aquela coisa que falava com o mundo.

Dona Guida passou os últimos anos acamada. Mas tinha no leito a companhia de um salutar bom humor.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, meu irmão foi buscar e levar em casa - todos os dias - os cuidadores que acompanhavam a sogra. Mesmo com todo esse cuidado, ela acabou infectada. A vacina não chegou a tempo para ela. Outras Margaridas sucumbiram, até que a fila começasse a andar para todos. Aí sim outras portas poderão continuar abertas, para que meninas - como aquela que fui - possam continuar a entrar nestes universos e aprender com outras meninas crescidas, como Dona Guida, grandes e ricos faróis.

Dona Guida foi cremada, e suas cinzas são parte de um jardim de margaridas cultivado na casa de uma das suas filhas. Outras margaridas serão regadas e viverão para lembrar sua passagem por aqui, entre nós.

Obrigada, Dona Guida! Você sempre esteve e estará presente no percurso que cada um de nós - seus filhos, netos, bisnetos, seu genro e amigos - continuará a fazer.

Saudade e amor, por você, nossa linda flor!

Maria nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga de Maria, Cátia Maria Lantyer Duarte. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Cátia Maria Lantyer Duarte, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 2 de maio de 2022.