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Maria Oliveira dos Santos

1957 - 2020

Tinha um coração que não cabia no peito, e ele era todinho da família que construiu.

"Falar da dona Maria é tão simples, mas, ao mesmo tempo tão difícil", diz a sobrinha e afilhada Rovena, que fez questão de homenagear quem foi o alicerce de toda a família. Aliás, para a sobrinha, "família" era a palavra que melhor a descrevia. Ela era de uma linhagem humilde, do interior e, após muito sofrer na roça, foi para a cidade e construiu sua própria família.

"Ela sempre foi guerreira, trabalhou por anos como revendedora de lingerie porta a porta, como revendedora de cosméticos e como costureira", conta Rovena.

Dona Maria era daquelas pessoas que nunca reclamam, sempre bem-humorada e não gostava de ver ninguém chorar. Ela não era apenas mais uma Maria, era a Mãe Maria.

Quando alguém chegava em sua casa, logo dizia: “Vem, minha filha, vem tomar um café”. E na hora da despedida dizia sempre: “Minha filha, vai com cuidado, tá?!". Ela mal acabava de fazer seu delicioso feijão preto e já ia logo falando: “Filha, fiz seu feijão preto fresquinho. Traz nenê pra comer”.

Amava os animais, as plantas, os filhos, netos, afilhados e sobrinhos. Possuía um coração que não cabia no peito. Abraçou e criou todos eles. Dona Maria era aquela mãezona que acordava cedo, preparava "o melhor café da vida", em seguida o almoço e fazia questão de que todos estivessem sempre juntos, pois, afinal, eles eram o motivo de tudo aquilo.

Rovena recorda-se de um episódio que demonstra bem o coração acolhedor da tia-madrinha: "A mãe de uns amigos nossos faleceu vítima de um câncer e, como o pai das crianças morava no exterior e não vinha buscá-las, como não possuíam familiares no estado e a justiça não os recolheu; quem os acolheu e terminou de criar como filhos, foi minha avó", e como uma história sempre puxa outra, Rovena conta mais um pouco: "Ela ainda criou ali a sobrinha, que a considerava como mãe e, em meio às confusões das crianças, sempre acolheu todos com amor e carinho. Uma família simples e com uma casa pequena, onde nunca faltou amor e carinho. Ela era também aquela que nos esperava chegar em casa da festa, louca para nos ouvir contar as histórias de como foi, se tínhamos beijado... Era a pessoa que nos recebia no portão e sempre com café fresco e quentinho. Quem aconselhava e nos ouvia sempre. Que sabia tudo de cada um de nós apenas com um olhar! E que estava sempre com um enorme sorriso no rosto."

E as histórias não param por aí, Rovena conta um outro fato divertido ocorrido um certo dia quando a avó deixou a carne que iria preparar em cima da mesa da cozinha e, em um momento de descuido, um gato roubou um pedaço. "Quando ela viu, já não dava mais tempo de impedir, não conseguiu pegar o bichano que se deu bem ao fugir com a comida, mas não sem antes escutar um grito agudo de dona Maria: 'gatooooo diaxooooo!'", conta sorrindo a sobrinha-afilhada.

Maria partiu de forma muito rápida e inesperada, deixando o marido ─ o qual ela amou e tanto cuidou ─, os quatro filhos e seus maiores tesouros: os 12 netos. Mas, acima de tudo, Mãe Maria deixou seu legado: sua linda família que sabe exatamente o que essa palavra de sete letras significava para ela.

Maria nasceu em Montanha (ES) e faleceu em Vitória (ES), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha e afilhada de Maria, Rovena da Silva Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 17 de dezembro de 2020.