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María Sebastiana Alves da Silva

1953 - 2020

Aprontava as tralhas da pescaria com dias de antecedência; pescar era seu momento de maior felicidade.

Apaixonada em reunir a família para comemorar datas importantes, costumava cutucar alguém ao redor sempre que sorria ou via algo engraçado. Agitada, amava andar; não gostava de ficar em casa, estava disponível para qualquer saída. Carinhosa e atenciosa com todos, demonstrava seu amor pela forma em que os ajudava. "Às vezes, se ela pudesse, tiraria dela. Não era o tipo de pessoa que declarava oralmente, mas sempre estava em oração por todos e disposta a ajudar", diz a neta Mari.

Supervisora de vendas, sentia prazer em apresentar os produtos terapêuticos com que trabalhava.

Além dos quatro filhos, María sempre foi mãe de todos: dos netos, dos irmãos, dos sobrinhos. O que mais a fazia feliz era ter os seus ao redor. Por isso, não abria mão de um almoço ao domingo; sabia que seria o momento em que a maioria estaria reunida. Nos dias em que se encontravam, acordava sempre cedo, preparava o café da manhã e seguia à igreja. Depois, passava na padaria, comprava bolo, pão de queijo e levava à neta na cama. "Ela sempre gostava de passar o tempo comigo durante a manhã."

Seu famoso frango frito era sagrado. "Era o melhor frango do mundo, nunca comi um melhor." Atenta aos outros, María só comia quando tudo já estivesse feito, começava seus trabalhos na cozinha às 14 horas e terminava por volta das 16h. "O domingo era um momento de recarregar as energias só pela presença dela."

Muito próxima da neta Mari, a acompanhou desde a infância. Sempre que seguiam ao centro da cidade, a presenteava com um enorme saco de salgadinho. Deixava que ela brincasse em um terreno perto de casa, enquanto lavava roupas e a observava de longe; depois pausava tudo e se juntava às brincadeiras. "Ao longo dos anos nossa conexão não mudou nada, permanecemos muito próximas e companheiras", afirma Mari. Mesmo após a mudança da neta, María estava sempre disposta a ouvi-la e aconselhá-la. Juntas, gostavam de ir ao shopping, à praça de alimentação ou ao cinema, e dividiam o amor pelas novelas; passavam parte da tarde e da noite em frente à TV. Todas as vezes em que uma cena engraçada ou importante para a história entrava no ar, ela ria, traçava comentários, contava casos da vida relacionados à trama. E, se a neta não estivesse prestando atenção a cutucava na perna. "Olha lá, como está boa essa parte", dizia.

No entanto, o que María mais amava fazer era pescar. "Não existia nada no mundo que ela gostasse mais do que isso." Um dos filhos se surpreendia sempre ao perceber que, quando a convidava, todas as coisas necessárias à pesca ficavam prontas em cinco minutos. "Até parecia que ela deixava tudo no jeito para quando surgisse a oportunidade de ir." María já havia perdido várias varas do filho no rio, uma delas, inclusive, encontrou em pedaços três meses depois. As pescarias eram momentos de felicidade.

Ela ajudava a empurrar o barco, mas sempre pegava os menores peixes, deixava escapar os grandes. O fato de não saber colocar a minhoca no anzol, não a impedia de pescar. Com o tempo e ajuda dos seus, aprendeu a usar o molinete, deixando sua alegria completa: os peixes grandes, agora, não escapavam mais. "Ela não tinha medo de nada, entrava na água, subia em árvores." Sua paixão por pesca era tanta que, ao ser avisada das viagens a Felixlândia, arrumava as malas com oito dias de antecedência. "Na hora de ir tinha que deixar metade, porque ela queria levar tudo, não havia espaço no carro. E quando ela chegava lá, a primeira coisa que queria fazer era ir pescar".

Animada, cuidadosa e carinhosa, era uma pessoa disponível ao outro. "Não importa quando ou o que você precisasse, ela estava ali presente". Dona Maria, como era chamada, também era nervosa e batia o pé para defender o que era seu. Contagiava os outros ao seu redor, "ninguém nunca a via triste pelos cantos, ela estava sempre bem disposta".

Sua lembrança ficou imortalizada no cheiro do café passando pela telha, no biscoito de polvilho frito, em seu sorriso. Cheia de história para contar, ela amava cantar.

María era dona de um abraço aconchegante e um olhar que transmitia paz. Sua bondade e companheirismo seguem inspirando sua família, assim como a força que tinha para conquistar seus sonhos. "Ela me deixou vários ensinamentos, mas o maior foi sobre aproveitar a vida e as oportunidades que ela nos dá" - finaliza a neta.

María nasceu em Frei Jorge (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de María, Mari Fernanda Alves Marim. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Mühl, editado por Tamires Borges, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 28 de outubro de 2021.