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Maria Socorro Soares Ribeiro

1950 - 2021

Realizou o sonho de morar no sítio, cuidando das plantas, das galinhas e passando seu café bem forte.

Maria do Socorro era chamada de Ricô. Não se sabe ao certo a origem do apelido. Nascida no Ceará, filha de João e de Josefa, aos 15 anos mudou-se para São Paulo. Teve uma infância cheia de brincadeiras na roça com os irmãos, correndo de bois e vacas, pulando cercas e se divertindo no caminho que utilizavam para levar a marmita do almoço para o trabalho do pai.

Das muitas histórias contadas dessa alegre fase da vida, ela sempre repetia uma. Não se sabe se era real, mas o fato é que decidiram acreditar nela... Segundo ela, uma vez, enquanto brincava, foi picada por uma cobra. Um moço que a encontrou ferida tinha uma pedra que, colocada em cima da picada, teria sido capaz de sugar todo o veneno!

Ricô conheceu José, motorista de ônibus, em seu trabalho, e os dois fugiram apaixonados. Ela saiu de casa e foi viver seu amor com ele. Depois de um tempo a família se uniu e ficou tudo bem. Tiveram as meninas Edcleia e Andréia e o menino Edcarlos.

Amava os filhos e os netos com toda a sua força. Fazia deles sua prioridade, sempre no intuito de agradá-los. Edcarlos, o mais novo, foi muito mimado. Quando era pequenininho, Dona Ricô o levava aos treinos na Ponte Preta, uma lembrança que ficará para sempre com ele.

A filha Andréia tomava café da manhã na casa de Ricô todos os dias. Um café especial que ela colhia, moía e fazia bem forte e sem açúcar, acompanhado de pão caseiro.

Fazia de tudo pelos sete netos: Lucas, Giovanna, João Pedro, Tiago, Enzo, Manuela e Guilherme. Lucas foi criado pela avó e Gi tinha seus lanches da faculdade preparados por ela com muito carinho. Os demais netos, mais novos, conviveram por menos tempo com Ricô, mas mesmo assim tiveram apenas momentos bons e de muito amor.

Ela gostava de trabalhar de forma autônoma. Sempre quis ter seu dinheiro para viajar até São Paulo e Jacutinga para comprar roupas. Como uma excelente cozinheira que era, vendeu pastéis e chup-chup na frente da escola que seus filhos estudaram. Às vezes ficava até de madrugada fritando salgados e chegou até a vender coxinha na padaria.

Certa vez, a filha Edcleia e a nora montaram uma escola infantil. Ricô foi registrada como cozinheira, mas também, por vontade própria, cuidava das crianças com todo carinho. Por problemas de saúde não pôde continuar no trabalho, mas concretizou o sonho de ter um sítio. A terra foi comprada por Edcleia em Avaré e ali Ricô morou por dois anos com o esposo José, cuidando de suas plantinhas e galinhas, admirando a criação de Deus e sentindo-se muito realizada. No ano de 2021 Ricô e José comemoraram seus 51 anos de casados, felizes e rodeados de sua linda família!

Com sua fé inabalável, era uma serva de Deus que amava cantar para adorá-lo. Em suas horas livres, sua vida era cantar louvores e ir para a igreja. Não tinha vergonha alguma de cantarolar. A música de que mais gostava era "O Escudo - A Voz da Verdade". Tanto que as irmãs da igreja resolveram retirar a canção do repertório por causa da ausência de Ricô, já que a música se tornou somente dela.

Possuía uma bondade inexplicável! Não podia ver ninguém passando sufoco que fazia de tudo para ajudar. No seu quintal havia uma casinha de fundo onde abrigou muitas pessoas, inclusive algumas que não eram nem suas conhecidas, mas que apareciam em sua vida enfrentando alguma situação complicada. Certa vez chegou até a emprestar o seu cartão de crédito para uma moça que mal conhecia, que estava com problemas pessoais e queria começar a vender trufas.

Como dona de casa e cozinheira de mão cheia, tinha alguns hábitos imutáveis, como o de só cozinhar com banha de porco e de separar à parte bolos, tortas e bolinhos de chuva preparados sem leite desde que a neta Giovanna descobriu uma intolerância à lactose.

Giovanna, a Gi, conta que passou todos os anos bem grudada à vó Ricô. Dormia com ela e gostava de ficar bem debaixo de seus cabelos. Eram muito companheiras, e a avó a levava nos ranchos de amigos e viagens. Certa vez Gi ficou com a cabeça presa na cadeira da escola e só Ricô, chamada às pressas pelas professoras, conseguiu tirá-la de lá.

A neta conta que a ligação entre as duas permaneceu forte até o final quando em seus dias de internação, dona Ricô sonhava com ela e dizia estar com saudades, lembrando-se dela quando olhava o anel dado por Gi em sua mão. “Minha avó me amou demais e não tenho dúvidas de que está onde sempre quis estar… ao lado de Deus."

Maria nasceu em Crato (CE) e faleceu em Sumaré (SP), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Giovanna Mendes Carvalho. Este tributo foi apurado por Luisa Pereira Rocha, editado por Vera Dias, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Ana Macarini em 14 de fevereiro de 2022.