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Maria Teresa de Almeida Pires

1952 - 2021

Sua parte favorita na vida de feirante, eram as conversas e a lida com os fregueses. Ela amava conviver.

Teresa, como ela gostava de ser chamada, era filha de Juraci e Paulo, e teve como irmãos Paulo, Mara e Célia. Já mocinha, começou a trabalhar fazendo lindos bolos e bonecas de açúcar, aprendendo depois a fazer outros confeitos.

Com Ademar Pires, seu marido, teve os filhos Cynthia e Leandro. Ele de Viçosa, Minas Gerais e ela carioca, conheceram-se na Pavuna. Segundo as boas línguas, Teresa ia com sua madrinha nos terreiros do bairro para encontrá-lo. Foram companheiros por quarenta e sete anos. Quando namoravam, trocaram inúmeros cartões com declarações de amor, que bem mais tarde foram encontrados por Cynthia.

Era mãe zelosa, firme e muito amorosa. Apesar das dificuldades e lutas, fazia todo o possível pelos filhos, nunca deixando que algo lhes faltasse. Como avó, cuidou dos três netos como se fossem seus filhos. Por um bom tempo a primeira neta, Letícia, esperava a avó no final do dia, momento em que ela voltava da feira com as bananas de casca amarela. Tainá e Chrystian vieram a seguir e os cuidados foram multiplicados. Nos aniversários, era sempre ela quem preparava deliciosos bolos. Gostava de reunir a família para os almoços de domingo. Nas horas vagas, assistia Caldeirão do Huck e também visitava suas cunhadas.

Quando o marido perdeu o emprego, Teresa vendeu "lingerie" e instalou um aviário em casa. Durante os carnavais, montava uma barraca para a venda de produtos. Até que conseguiu um ponto na Feira da Pavuna, onde trabalhou por mais de vinte anos, usando até os domingos, dia de descanso, para vender seus frangos.

Acordava bem cedo todos os dias para comprar mercadorias no Centro Estadual de Abastecimento, CEASA. Por lá, recebia inúmeras caixas de aipim, quiabo, abóbora. Teresa tinha pavor de rato e quando algum aparecia perto de sua barraca, dizem que seus gritos paravam a feira.

Ao fim de cada turno, sentava-se para realizar a contabilidade das mercadorias e o planejamento das compras para o dia seguinte. Em época de Natal, sua casa se tornava depósito de abacaxis e melancias, o que deixava a casa impregnada com um cheiro que ficou para sempre na memória dos filhos.

Por meio do trabalho como feirante, além do sustento, conseguiu transmitir cuidado, carinho e ajuda aos seus netos, bem como construir a sua tão sonhada casa de praia, onde foi morar longe de todo mundo, só ela e o marido.

Apesar de não ser frequentadora assídua das praias do Rio de Janeiro, após visitar uma amiga em Cabo Frio, acabou se apaixonando pelo lugar. Então, decidiu comprar um terreno para ter uma vida mais tranquila. No início, quando ainda não havia casa, acampava durante o Carnaval, tamanha a ansiedade para aproveitar o local. Volta e meia, aparecia uma cobra corre-campo que, na imaginação de Teresa, transformava-se em uma jararaca.

A pandemia chegou três anos depois da realização desse sonho e o medo era uma constante durante o isolamento, mas nada que uma ligação toda noite, religiosamente, não aquietasse seu coração.

Teresa era extremamente guerreira, muito doce e, apesar de não ter estudo, possuía uma enorme sabedoria. Cynthia se recorda de alguns fatos que conserva em suas memórias afetivas: “Durante a infância, foram marcantes os passeios para ver o Papai Noel no Maracanã. Entretanto, tenho outra lembrança que me marcou bastante: em 2013, fui morar em Recife e ela viajou sozinha de avião para me visitar. Passeamos por Olinda e por Porto de Galinhas. Dava para ver a felicidade estampada em seu rosto”.

“A comida favorita dela era bacalhau. Tinha o hábito de acender vela para as almas, na segunda-feira. O aroma que sempre me faz recordar minha mãe é o dos cremes que passava em seu cabelo. Ela torcia pelo Vasco, por causa do meu irmão, que é cruz-maltino apaixonado. Toda vez que escuto a canção 'Tá escrito', interpretada pelo Grupo Revelação, eu me lembro dela:

[...] "É dia de sol, mas o tempo pode fechar
A chuva só vem quando tem que molhar
Na vida é preciso aprender
Se colhe o bem que plantar
É Deus quem aponta a estrela que tem que brilhar
Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé
Manda essa tristeza embora
Basta acreditar que um novo dia vai raiar
Sua hora vai chegar".

Cynthia ressalta: “Ela nos ensinou a sermos sempre independentes, procurando nunca depender de alguém. Em 2021 ela foi levada pela pandemia. No entanto, a doença não conseguiu tirar nem levar os abraços, os beijos dados e todo o carinho distribuídos por ela ao longo dos seus sessenta e sete anos! Esses, como ela, serão eternos".

Maria nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Maria, Cynthia de Almeida Pires. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 18 de novembro de 2022.