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Maria Tereza Medeiros Brito

1980 - 2020

Ela amava receber pessoas, presentes e homenagens em seu aniversário.

Filha de pai militar, Tereza mudou-se com a família para Natal quando tinha apenas seis meses de idade, e foi ali que cresceu e viveu. Teve uma infância feliz, permeada por muitas diversões, brincadeiras e passeios ao lado da única irmã, Maria Isabel, além de vários primos e amigos, cercada de muito amor.

Um único senão em sua infância foi o diagnóstico de diabete, numa época em que não havia alimentos específicos para diabéticos. Foi uma festa quando ela e uma tia descobriram num supermercado local o primeiro guaraná diet.

Ela e a irmã tinham menos de dois anos de diferença e eram muito próximas. Unia-as ainda mais o fato de ambas não terem se casado e morarem na casa da mãe. Elas se completavam, conforme conta Maria Isabel: “Apesar de sermos muito diferentes, as dificuldades no casamento dos nossos pais nos fizeram ficar muito juntas e nossa união era o que nos fortalecia. Nossa relação era única. Conversávamos horas, sobre tudo. Éramos cúmplices em muitas coisas e nos aconselhávamos mutuamente”.

Tereza também era muito próxima da mãe, estando em sua companhia nos trabalhos manuais e nas tarefas domésticas. Era sua acompanhante também quando necessitava ficar internada.

Tereza sempre foi muito comunicativa, e tinha uma boa relação com todos. Exagerada, dizia que amava sem medo de nada. Viveu alguns amores platônicos aos quais se entregou perdidamente. Eram geralmente amores amigos, a quem gostava de presentear, escrever mensagens e enviar músicas que a lembrasse deles.

Era solidária, amiga e parceira. Tinha o gênio forte, não mudava com facilidade suas opiniões firmes. Quando queria uma coisa ia até o fim. Era intensa em tudo que fazia no sentido de entregar-se a tudo com muita paixão, com muita vontade.

Demonstrava pressa em viver, como se soubesse que morreria jovem, o que dizia com todas as letras. Se se propunha a fazer alguma coisa, entregava-se àquilo de corpo e alma, fosse para ela mesma ou fosse um projeto de outra pessoa que ela estivesse ajudando. E tudo era rico em detalhes: ela dava o melhor de si para que tudo ficasse perfeito.

Seu aniversário era uma data muito esperada todos os anos e planejado por ela com bastante antecedência para que tudo saísse do jeito que desejava.

Desenvolveu ao longo do tempo um estado depressivo que não a impedia inicialmente de sair de casa, ir a festas, se divertir e nem roubou a vaidade e os amigos feitos nos movimentos da igreja, que permaneceram fieis e presentes. Ela fazia questão manter seus contatos pelas redes sociais. Conversava com todos, mandava presentes, aconselhava, pedia conselhos, sorria. Eles viam nela uma amiga presente porque ela fazia questão disso, e a definiam como prestativa, amorosa, carinhosa e delicada.

Embora passasse a maior parte do tempo em seu quarto, queria saber o que estava acontecendo, mandava mensagem no celular, levantava-se em determinados momentos e sacudia a casa.

Dentre os amigos mais próximos de Maria Tereza e Maria Isabel estavam Erica, Raissa, Clara, Leopoldo e Fabio. A amizade seguiu vida afora num grupo chamado Servos por Amor, que agregava também Camila, Daniel, Paulinha, João Neto, Catarina e André. Além dessas, muitas outras amizades que a família nem imaginava se manifestaram por meio de mensagens quando ela faleceu, surpreendendo a todos.

Tereza era uma artista com habilidades incríveis para trabalhos manuais. Fazia decoração para festas, artesanato com tecido em MDF, doces e acessórios para festas temáticas como Carnaval e São João, confeccionava bolsas e bordados em ponto cruz. Além dos dons naturais que possuía, estava sempre procurando se aperfeiçoar fazendo cursos em seu tempo livre.

Amava cozinhar, fosse doce ou salgado. Fazia de tudo e tinha muita habilidade para isso. O prato preferido dela era carne de sol, e não dispensava nunca uma Coca-Cola.

A irmã Maria Isabel homenageia Tereza numa carta aberta, escrita do primeiro aniversário da irmã após a morte:

“Essa vida é mesmo muito louca. É muito doido ─ e doído ─ pensar que em 2020 você estava comemorando seu aniversário e hoje não está mais entre nós.

Naquela ocasião, eu, Erica, Raissa, Cla, Leopoldo e Fabio enviamos para você um kit cheio de gostosuras diets para comemorar o seu quarentinha, assim como o kit enviado pela Renata e as meninas que estavam sempre por perto. E como você ficou feliz!

Se estivesse aqui hoje, certamente você estaria da mesma forma, recebendo os parabéns de todos que te ligavam ou mandavam uma mensagem. Como esse aniversário era esperado e quantos dias antes você começava a falar sobre ele!? Como se alguém pudesse esquecer.

Você tinha muitas amizades e fazia questão de manter todas; mesmo que à distância, não media as palavras para dizer do seu amor por elas. Intensa demais em tudo o que fazia.

Hoje fomos lhe visitar. Mamãe ainda não tinha ido e fez questão de te levar flores. Acho que foi a forma que ela encontrou de não passar este 9 de junho 'longe de você'.

Na hora do almoço, lembrei-me de você sentada à mesa, falando das pessoas que já tinham ligado, o que tinham dito, e rindo. Certamente estaríamos comendo algo da sua preferência.

Você não está mais aqui entre nós, não porque a vacina não tivesse chegado a tempo, pois já se falava sobre ela, mas ainda na fase de estudos. Você se foi porque faltaram cuidados primários e uma gestão pública eficiente, que não defendeu o uso de máscara, que mandou a população para as ruas e não a orientou para que tomasse os devidos cuidados.

Você se foi porque a gente 'não tem governo, nem nunca terá'. E fico pensando o quanto ainda vai chorar 'a nossa Pátria mãe gentil' e quantas 'Marias e Clarices, no solo do Brasil', ainda vão chorar? Não sei.

Esse dia jamais será o mesmo. Nenhum dia é, desde que você partiu. Espero que você tenha uma linda festa no céu, cheia de detalhes, como você gostava, e esteja feliz."

Maria nasceu em Porto Velho (RO) e faleceu em Natal (RN), aos 40 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Maria, Maria Isabel de Medeiros Brito. Este tributo foi apurado por Rafaella Moura Teixeira, editado por Vera Dias, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 17 de março de 2022.