1987 - 2021
Uniu a vivência marcante da infância à aspiração de salvar vidas, na dedicação afetuosa a quem passasse por suas mãos.
Mari, como era carinhosamente chamada em família, fazia o “recheio do sanduíche” entre as outras irmãs – Danielle e Isabelle. “Sabe como é irmã do meio, né?”, brinca a mais velha. “Como eu saí de casa muito jovem, as duas ficaram mais juntas, mesmo com os atritos e ciúmes normais entre uma e outra”, lembra com graça.
O desafio de duas cirurgias cerebrais aos 5 e aos 11 anos fizeram da paranaense Marielle uma guerreira desde criança. Depois de ser cuidada na infância, quando adulta, escolheu cuidar. As lembranças e a admiração pelas enfermeiras à sua volta na recuperação hospitalar marcaram a sua opção profissional: Marielle decidiu fazer o curso técnico de Enfermagem porque queria justamente cuidar das pessoas. Concursada pela Prefeitura de Cascavel, sua cidade natal, trabalhava nas unidades básicas de saúde locais. Durante a pandemia, fez jornadas dobradas e não hesitou em atuar também no hospital de retaguarda, quando a vacina contra a Covid-19 passava de perspectiva a realidade, com a aplicação da primeira dose. Marielle manifestava sua angústia em ver pessoas morrendo, carregando tubos de oxigênio, e dizia: “É desumano!”. A essa altura, havia acabado de realizar o sonho da graduação em Enfermagem e colar grau pelo meio digital. A festa de formatura viria quando a pandemia amenizasse, assim como os planos de casamento que iam tomando forma com os preparativos do enxoval.
Mesmo com a correria do trabalho incessante, Mari arranjava tempo para organizar os churrascos para os encontros familiares. “Agora não tenho mais quem faça isso”, lamenta Danielle entristecida. Gostava de comer e de preparar comidinhas, exercendo seu prazer pela culinária. O perfil agregador e afetuoso e a risada cativante mantinham a moça sempre rodeada de boas e sólidas amizades. Por causa da voz alta e do jeito espalhafatoso, ganhou da irmã mais nova o apelido de “gralha”. Manifestava suas emoções com energia, e os amigos eram sua companhia nas horas de lazer.
Marielle conseguiu aproveitar o desejo de conhecer a neve numa viagem que fez para o Chile em pleno inverno. Com a mãe criou a oportunidade de visitar a nova residência da irmã caçula na capital argentina. Isabelle relembra em tom de diversão a chegada de Mari: “como ela sabia que eu não tinha nada e ainda não estava trabalhando, trouxe a mala inteira dela com todas as roupas dobradas dentro de potes plásticos, para eu ter potes. Não me pergunte como ela fez isso, tudo dividido na mala dela e na mala da mãe. E no final das contas eu tenho esses potes aqui até hoje com muito carinho. Ela se preocupava mais com os outros do que consigo”. E acrescenta: “Mari parava em todos os quiosques de Buenos Aires para provar os típicos alfajores argentinos”.
Sendo a única filha que ainda morava com os pais – Beatriz e José Carlos —, Marielle dedicou-se também a acompanhar a mãe nas rotinas médicas, a assistir ao primeiro parto de Danielle na juventude, a curar ferimentos dos sobrinhos quando pequenos e manter em dia a carteirinha de vacinação da meninada. “Ela sempre nos deu muita segurança”, conta a primogênita. E completa emocionada: “tinha a personalidade forte e o coração bom, tomava a iniciativa das coisas, era preocupada, gostava de tratar bem os outros, mostrava empatia”. A irmã mais nova sempre declarou deliberadamente que preferiria ter Mari ao seu lado quando viesse a parir um bebê. A fraternidade do trio impera em deixar seus rastros, dentro e fora do coração.
Marielle nasceu em Cascavel (PR) e faleceu em Cascavel (PR), aos 33 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Marielle, Danielle Passos Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 25 de julho de 2023.